Guarda: com quem ficam os filhos?

Mesmo após o fim de um relacionamento, os laços entre pais e filhos não se rompem. Embora a vida conjugal chegue ao fim, cada genitor segue responsável pela criação e proteção dos filhos. O Direito de Família brasileiro aborda esse tema ao estabelecer diferentes modalidades de guarda, todas voltadas para o melhor interesse da criança e do adolescente.

A seguir, apresentamos as principais formas de guarda previstas em nossa legislação, destacando que a guarda compartilhada é, em regra, a mais benéfica ao desenvolvimento dos filhos, mas respeitando as situações em que ela não se aplica.

1. Guarda e poder familiar

A guarda integra o poder familiar, composto por deveres e direitos dos pais em relação aos filhos menores. Na prática, cuidar, educar, alimentar e zelar pela saúde e rotina diária da criança ou adolescente faz parte desse conjunto de atribuições.

Tanto a Constituição Federal quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) enxergam os filhos como titulares de direitos. Sendo assim, toda escolha sobre a guarda deve priorizar a integridade física, emocional e psicológica da criança e do adolescente.

2. Tipos de guarda no Brasil

2.1 Guarda unilateral (exclusiva)

A chamada “guarda exclusiva” é conferida somente a um dos pais ou até mesmo a um terceiro. Antes comum, hoje é exceção, pois a Lei n. 13.058/2014 consagrou a guarda compartilhada como regra. Ainda assim, existem três cenários que justificam a guarda unilateral:

  1. Renúncia de um dos pais – Quando um genitor manifesta ao juiz não desejar a guarda.
  2. Incapacidade ou desinteresse de um dos genitores – Em situações de abandono, ausência prolongada, problemas de saúde ou comportamentais que impeçam a participação conjunta.
  3. Risco de violência doméstica ou familiar – Inserido pela Lei nº 14.713/2023, para preservar a criança ou o adolescente caso haja indícios de agressões ou abusos no ambiente familiar.

Mesmo na guarda unilateral, o outro genitor mantém (em tese) o direito de conviver e acompanhar o desenvolvimento do filho, exceto se houver determinação judicial em sentido contrário.

2.2 Guarda compartilhada

Desde 2014, a guarda compartilhada é o modelo preferencial previsto em lei. Significa que pai e mãe partilham as responsabilidades e decidem juntos sobre a vida dos filhos, mesmo quando não se entendam perfeitamente ou morem em locais distintos.

2.2.1 Guarda compartilhada jurídica e física

Como expõem Rafael Madaleno e Rolf Madaleno, em Guarda Compartilhada – Física e Jurídica, esse regime possui dois aspectos:

  • Guarda compartilhada jurídica
  • Foca nas decisões essenciais do cotidiano infantil (educação, saúde, religião, lazer, etc.). Aqui, ambos os genitores são coparticipantes na condução da vida do filho, devendo dialogar para chegar a um consenso.
  • Guarda compartilhada física
  • Trata da convivência efetiva com o filho. Não se exige uma divisão matemática de tempo, mas é preciso que as rotinas sejam planejadas em benefício das crianças ou adolescentes.

Alternância de lares (dupla residência)

Em muitas situações, a guarda compartilhada física se dá por meio da alternância de lares. Nesse arranjo, os filhos passam um período com cada genitor, seja por semanas alternadas ou por outra escala que respeite o ritmo familiar. É fundamental destacar que alternar residências não é o mesmo que “guarda alternada”. Enquanto na guarda compartilhada as decisões permanecem em conjunto, na guarda alternada, cada pai decide de forma exclusiva durante o período de convivência.

2.3 Guarda alternada

Não existe previsão legal específica para a guarda alternada, sendo habitualmente criticada pela jurisprudência e pela doutrina. Isso acontece porque a ausência de corresponsabilização simultânea — com o filho ficando sob regras distintas em cada “turno” — pode ocasionar confusão e falta de uniformidade na educação.

2.4 Guarda deferida a terceiros

Numa situação extrema, em que nenhum dos pais possa exercer a guarda (distância excessiva, doença grave, abandono etc.), o juiz pode concedê-la a um parente mais próximo ou, se não houver alternativa, a uma instituição (sempre como última opção).

2.5 Guarda nidal (aninhada)

Pouco usual no Brasil, a guarda nidal (ou “nesting”) mantém as crianças na mesma casa (o “ninho”) e são os pais que se revezam na moradia. Apesar de reduzir o impacto de mudanças para as crianças, exige logística complexa e maiores recursos financeiros, tornando-se rara na prática.

3. Convivência e pensão alimentícia

Independentemente do tipo de guarda, deve-se regular a convivência — muitas vezes chamada “visitação” — definindo horários, fins de semana, férias e datas especiais. O objetivo é proteger o vínculo com ambos os genitores.

Quanto à pensão alimentícia, a obrigação de sustento cabe aos dois pais, conforme sua capacidade financeira. Na guarda compartilhada, costuma-se dividir os custos na proporção dos rendimentos de cada um, sem afastar a possibilidade de arcar “in natura” com as despesas do filho.

4. Destaque jurisprudencial: guarda compartilhada com alternância de lares

Em novembro de 2021, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), no Agravo Interno em Agravo de Instrumento n. 5109808-10.2021.8.21.7000/RS, sob relatoria do Juiz de Direito Roberto Arriada Lorea, reconheceu a legitimidade de um arranjo que mescla guarda compartilhada e alternância de lares.

No caso concreto, os genitores estavam em harmonia quanto à divisão equilibrada do tempo com a filha. Os laudos psicológicos atestaram que a menor se adaptou bem à rotina, não havendo prejuízos. O Tribunal salientou que a alternância de residências, por si só, não indica guarda alternada — pois, na compartilhada, há gestão conjunta. Dessa forma, confirmou-se a validade do acordo e a guarda compartilhada com alternância de lares foi mantida, beneficiando o melhor interesse da criança.

5. Conclusão

A lei e a jurisprudência privilegiam a guarda compartilhada como forma de assegurar a participação conjunta e ativa de pai e mãe na vida dos filhos. Há, no entanto, exceções que tornam necessária a guarda unilateral, seja porque um dos genitores não a deseja ou porque fatores mais graves, como riscos de violência, inviabilizam o compartilhamento.

Em qualquer hipótese, o objetivo maior é promover a saúde emocional, física e moral das crianças. Se houver conflitos ou dúvidas, recomenda-se recorrer a aconselhamento jurídico e profissional (advogados, mediadores e psicólogos), visando a construir soluções equilibradas para todos os envolvidos.

Nota de Referência Bibliográfica

  • MADALENO, Rafael; MADALENO, Rolf. Guarda Compartilhada – Física e Jurídica. 5ª ed. São Paulo: Editora RT, 2022.

Juliano Trindade – Advogado especialista em Direito de Família e Sucessões (OAB/RS nº 53.574) e estudante de Filosofia (bacharelado).