JULGADO SOBRE PARTILHA DE BEM IMÓVEL FINANCIADO (TJRS, 2018)

APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. 1. AQUISIÇÃO DE IMÓVEL PELA DEMANDADA NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. SUB-ROGAÇÃO RECONHECIDA QUANTO A PARTE DO PAGAMENTO DA ENTRADA. No regime da comunhão parcial de bens, os bens que sobrevierem durante a constância da união estável presumem-se adquiridos com esforço comum, sendo que a aquisição mediante sub-rogação de bem particular de um dos companheiros constitui exceção a esta regra (art. 1.659, inc. I e II, do CCB), de modo que ela somente pode ser reconhecida quando presente prova inconteste nesse sentido. Sendo incontroverso que parte do valor da entrada do imóvel foi pago com recursos oriundos da alienação de bem particular da companheira, não havendo prova cabal de que a integralidade do valor de entrada foi por ela paga, deve-se reconhecer a sub-rogação nos limites da parte incontroversa, confessada pelo autor em seu depoimento pessoal. 2. FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. PAGAMENTO DE PARTE DAS PRESTAÇÕES NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO. DIREITO DE MEAÇÃO DO AUTOR SOBRE A PARTE FINANCIADA RECONHECIDO NA FORMA DE PERCENTUAL SOBRE O BEM, PROPORCIONAL AO NÚMERO DE PARCELAS VENCIDAS DURANTE A CONSTÂNCIA DA RELAÇÃO. Em relação à parte financiada do imóvel adquirido pela companheira na constância da união estável, para o cálculo do quinhão a que o autor faz jus, deve-se apurar qual o percentual que as parcelas pagas na constância da união estável representam sobre o bem, percentual esse que deverá incidir sobre o preço de mercado do imóvel no momento da avaliação para fins de ultimação da partilha. 3. PARTILHA DE MÓVEIS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. Não havendo comprovação da alegação de que os móveis arrolados pelo autor – incontroversamente  adquiridos na constância da união estável – foram custeados com valores pertencentes exclusivamente à companheira, descabe excluir o mobiliário da partilha, uma vez que, nesse contexto, deve prevalecer a presunção do esforço comum na constituição deste patrimônio. 4. COTAS SOCIAIS DE SOCIEDADE LIMITADA CONSTITUÍDA PELA DEMANDADA.  SUB-ROGAÇÃO RECONHECIDA. Sendo incontroverso que as cotas sociais tituladas pela companheira quando da constituição da sociedade limitada foram integralizadas com valor oriundo do produto da venda de bem particular seu, impõe-se reconhecer a sub-rogação nessas cotas. 5. COTAS SOCIAIS ADQUIRIDAS PELA REQUERIDA DURANTE A UNIÃO ESTÁVEL. INCLUSÃO NA PARTILHA. As cotas sociais adquiridas pela companheira posteriormente à constituição da sociedade, na constância da união estável, devem ser partilhadas igualitariamente em virtude da presunção de esforço comum na constituição deste patrimônio, não elidida por prova inequívoca de que a aquisição destas cotas se deu com o emprego de valores exclusivamente pertencentes à companheira, como por ela alegado. 6. PARTILHA DE DÍVIDA. SALDO NEGATIVO DE CONTA BANCÁRIA DE TITULARIDADE DA COMPANHEIRA. Deve-se incluir na partilha a dívida decorrente do saldo negativo da conta bancária de titularidade da companheira na data da ruptura da união estável, por não haver qualquer elemento probatório que infirme a presunção de que a constituição de dívidas reverteu para pagamento/aquisição de coisas necessárias à economia e vida familiar. 7. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. INDEFERIMENTO. PATRIMÔNIO INCOMPATÍVEL. Conforme o art. 98, caput, do CPC, a pessoa natural com insuficiência de recursos para pagar despesas processuais e honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, sendo que alegação de insuficiência por ela deduzida tem presunção de veracidade (art. 99, § 3º, do CPC), de modo que o indeferimento do pedido somente se justifica ante elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade. Havendo elementos suficientes que demonstrem que o patrimônio da parte é incompatível com a alegação de insuficiência de recursos, é de ser indeferido o requerimento.

DERAM PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME.

Apelação Cível   Oitava Câmara Cível
Nº 70076149434 (Nº CNJ: 0379058-76.2017.8.21.7000)   Comarca de Porto Alegre
P.M. .. APELANTE
J.L.M.M. .. APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento à apelação.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Ricardo Moreira Lins Pastl e Des. José Antônio Daltoé Cezar.

Porto Alegre, 24 de maio de 2018.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Luiz Felipe Brasil Santos (RELATOR)

P. M. interpõe recurso de apelação da sentença das fls. 260-263 e 271, que, nos autos da ação de dissolução de união estável cumulada com partilha ajuizada por J. L. M. M., julgou parcialmente procedentes os pedidos.

Sustenta que: (1) a sentença recorrida não reconheceu a ocorrência da sub-rogação alegada pela apelante, sob fundamento de que não estaria demonstrada toda a cadeia de substituição de bens, todavia há confissão do apelado quanto ao ponto; (2) o autor confessou que o apartamento da Rua Coronel Bordini pertencia exclusivamente à apelante, o que é corroborado pelo depoimento da testemunha R. P. F. J.; (3) o referido apartamento foi alienado em 13.02.2004, servindo o produto da venda para o pagamento de R$ 90.000,00 referente à casa n. 118 do condomínio Village Sweet House, localizado na Rua Armando Barbedo; (4) a sub-rogação torna-se evidente, tendo em vista o ínfimo período decorrido entre o recebimento do produto da venda do apartamento da Rua Coronel Bordini e a realização do pagamento da nova casa; (5) o próprio demandante referiu não ter feito qualquer investimento na compra da casa situada na Rua Armando Barbedo; (6) o mesmo procedimento ocorreu em relação à constituição da sociedade Esporta Academia Ltda., porquanto também houve confissão do apelado no sentido de que o dinheiro utilizado para formar a sociedade decorria da venda do apartamento da Rua Coronel Bordini; (7) quando da aquisição das cotas sociais que pertenciam ao sócio R. P. F. J., a empresa não havia produzido qualquer lucro, o que evidencia que tal aquisição se deu também com os valores recebidos pela apelante quando da alienação do apartamento da Rua Coronel Bordini; (8) o apelado não foi incluído nem mesmo como sócio minoritário, demonstrando que não realizou qualquer investimento para que a academia iniciasse suas atividades; (9) posteriormente, em 20.01.2011, a casa da Rua Armando Barbedo foi vendida pelo valor de R$ 212.500,00, tendo sido integralmente aplicado tal montante na compra da casa n. 2 do Condomínio Residencial El Mirador, localizado na Rua Bororó; (10) considerando o valor desta última casa, de R$ 520.000,00, resulta que a apelante é proprietária de 40% do bem, em razão da sub-rogação; (11) o mobiliário que guarnece a casa da Rua Bororó também não é suscetível de partilha, pois já pertencia à apelante antes mesmo do início da união estável; (12) constatadas as sub-rogações referidas, devem ser excluídas da partilha todas as cotas da Esporta Academia Ltda., de titularidade da apelante, bem como o valor de R$ 187.000,00 pago a título de entrada para a compra do imóvel da Rua Bororó, e o mobiliário que guarnece essa residência; (13) deve ser partilhada a dívida de R$ 16.555,63, decorrente do saldo negativo da conta corrente de titularidade da demandada, demonstrada nos documentos das fls. 115-118, constituindo-se ônus do apelado comprovar que não contribuiu para a dívida contraída; (14) impõe-se redimensionar a distribuição do ônus de sucumbência, tendo em vista que o apelado sucumbiu parcialmente; (15) requereu a concessão da gratuidade da justiça em contestação, sendo que tal pedido não restou apreciado, impondo-se o seu deferimento, tendo em vista as dificuldades financeiras experimentadas pela recorrente. Requer o provimento do recurso para reformar a sentença, a fim de excluir da partilha (a) todas as cotas sociais que a apelante possui da empresa Esporta Academia Ltda.; (b) o valor de R$ 187.000,00, pago a título de entrada para a compra da casa da Rua Bororó; (c) o mobiliário que guarnece a residência da Rua Bororó; outrossim, pugna pela inclusão da dívida de R$ 16.555,63 (fls. 115-118) na partilha, bem como a concessão da gratuidade da justiça à apelante e a redistribuição do ônus de sucumbência (fls. 274-302).

Contrarrazões nas fls. 309-313.

O Ministério Público declinou de intervir (fl. 316).

Vindo os autos conclusos, foi lançado relatório no Sistema Themis2G, restando assim atendido o disposto no art. 931 do CPC.

É o relatório.

VOTOS

Des. Luiz Felipe Brasil Santos (RELATOR)

De início, cumpre pontuar que, em sentença, restou reconhecida a existência da união estável havida entre os contendores no período compreendido entre agosto de 2003 e abril de 2013, não havendo qualquer insurgência quanto a esse ponto. Ante a ausência de contrato escrito entre os companheiros, no caso, aplica-se às relações patrimoniais o regime da comunhão parcial de bens no que couber, como preconiza o art. 1.725 do Código Civil.

Postas essas premissas, passo à análise das questões trazidas pela demandada em suas razões de apelação.

Em relação ao imóvel localizado na Rua Bororó, 708, nesta Capital (Residencial El Mirador) – matrícula 105.170 do Registro de Imóveis da 3ª Zona de Porto Alegre (fls. 59-60), a sentença recorrida determinou que os direitos e ações sobre tal bem devem ser partilhados igualitariamente, apontando o Juízo de origem que a meação deve incidir sobre o percentual do bem que foi amortizado durante o período da união estável, ou depois dela, se houver pagamento de prestações do financiamento habitacional por ambos os contendores. Também restou consignado que o percentual eventualmente amortizado por apenas um dos litigantes, após a separação, reverterá em favor deste.

Nas razões recursais, a demandada alega que o autor confessou a ocorrência de sub-rogação de bem particular da apelante, a qual também teria sido demonstrada pela prova produzida. No ponto, requer a reforma da sentença para excluir da partilha “o valor pago a título de entrada para compra da casa da Rua Bororó – no valor de R$ 187.000,00” (fl. 299).

Merece prosperar, em parte, a irresignação da recorrente. No regime da comunhão parcial de bens, os bens que, a título oneroso, sobrevierem durante a constância da união estável presumem-se adquiridos com esforço comum, sendo que a aquisição mediante sub-rogação de bem particular de um dos companheiros constitui exceção a esta regra (art. 1.659, inc. I e II, do CCB), de modo que ela somente pode ser reconhecida quando houver prova incontestável nesse sentido.

Na espécie, deve-se reconhecer a ocorrência de sub-rogação parcial, porque o próprio apelado, em seu depoimento pessoal, confessa que, para a aquisição do imóvel da Rua Bororó, com financiamento imobiliário, parte da entrada foi paga com recursos provenientes da alienação de bem particular da apelante, situado na Rua Armando Barbedo, como se infere do seguinte excerto do depoimento, que ora transcrevo (fls. 205-207):

(…) D: Deixa eu explicar para o senhor, eu ficava um pouco na casa dos meus pais, depois eu passei a ficar um pouco na casa na Bordini, namorando, um pouco na casa, um pouco na Bordini, depois o que aconteceu, ela vendeu o apartamento da Bordini dela para comprar uma casa onde nós passamos a morar juntos, na Armando Barbedo.

(…)J: A tese dela é essa. O senhor acabou de falar que ela vendeu um apartamento da Bordini, o senhor chegou a verificar como é que foi isso, como é que foi esse negócio, o que ela fez com esse dinheiro?

D: Esse dinheiro ela investiu uma parte desse dinheiro.

J: Em quê?

D: Numa outra residência.

J: Em qual residência?

D: Da Armando Barbedo.

(…) J: Como é o nome do condomínio?

D: Sweet House.

J: E depois venderam a Sweet House?

D: Sim.

J: E com o dinheiro compraram o imóvel esse, do Residencial El Mirador?

D: Uma parte desse dinheiro foi comprado o Residencial El Mirador, e o restante foi financiado porque nós começando a pagar esse financiamento.

J: E a entrada, então, foi com o produto da venda da casa outra?

D: Isso, não foi usado todo o dinheiro dessa residência, foi uma parte desse dinheiro.

J: Mas eu quero saber se foi a entrada.

D: Sim, com mais uma verba que ela tinha guardado, nós tínhamos uma economia.

(…) J: Nessa entrada, pelo que o senhor está dizendo, parte é da venda da casa da Armando Barbedo, e a outra parte de economia?

D: Foi de fundo de economia.

J: E essa economia de qual era o valor, o senhor sabe quanto tinha de economia?

D: Que eu me lembre foi dado a mais acho que era cem mil, que eu lembre, eu não estou dando certeza.

(…)

PR: A questão era realmente saber do valor utilizado na compra da casa da Armando Barbedo, qual a proporção por ela investido e qual a proporção por ti investido, se é que tu de fato…

D: Não, na casa da Armando Barbedo eu não investi dinheiro. (grifei)

Como se vê, o depoimento pessoal do autor conforta parcialmente a tese da apelante, visto que J. admite que P. já possuía, ainda quando namoravam, um apartamento na Rua Coronel Bordini, o qual foi por ela vendido posteriormente, para adquirir o imóvel situado na Rua Armando Barbedo, sem qualquer participação sua, caracterizando a sub-rogação de bem particular da apelante. Todavia, em relação ao imóvel da Rua Bororó, o apelado apenas reconhece que parte do valor da entrada foi pago com o produto da venda do bem particular da apelante (situado na Rua Armando Barbedo), aduzindo ele que também foi empregado no pagamento da entrada a quantia de aproximadamente R$ 100.000,00, oriunda de economias do casal.

Conforme o contrato  das fls. 71-96, datado de 17.01.2011, o imóvel da Rua Bororó foi adquirido pela apelante P. pelo valor de R$ 500.000,00, com uma entrada de R$ 187.000,00 e financiamento de R$ 313.000,00, em 240 parcelas, a primeira delas com vencimento em 17.02.2011.

Dito isso, tem-se que a controvérsia acerca da sub-rogação reside em definir se foi a totalidade do valor de entrada adimplido com o produto da venda de bem particular pertencente à recorrente, ou se apenas parte da entrada foi pago com esses recursos exclusivos dela.

Torno a consignar que somente cabe reconhecer a sub-rogação quando houver comprovação inequívoca nesse sentido, tendo em vista que, no regime da comunhão parcial de bens, presume-se o esforço comum. Nesse contexto, a análise dos documentos que aportaram aos autos não permite concluir que a integralidade do valor da entrada foi paga com valores provenientes da venda do bem particular da apelante.

Veja-se que, embora o imóvel da Rua Armando Barbedo tenha sido alienado pela apelante pelo valor de R$ 212.500,00, consoante contrato particular de compra e venda datado de 20.01.2011 – o que denota que a alienação do bem particular foi quase concomitante à aquisição do imóvel da Rua Bororó –, não resta demonstrado que a totalidade deste valor foi empregada para o pagamento da entrada no imóvel da Rua Bororó. Sabe-se, por exemplo, que a demandada recebeu, no dia 27.01.2011, dez dias depois da data do contrato de compra e venda do imóvel da Rua Bororó, o montante de R$ 90.000,00 (fl. 58), como pactuado no contrato de compra e venda de seu bem particular. Por outro lado, não é possível constatar se  esse montante foi utilizado para o pagamento da entrada, até mesmo porque, como dito, o recebimento desta quantia é posterior à data da aquisição do imóvel da Rua Bororó. Portanto, pelo contrário, é de se presumir que esse montante de R$ 90.000,00 não foi empregado no pagamento da entrada.

O documento presente na fl. 71, dando conta do envio, em 01.12.2010, de TED no valor de R$ 100.000,00 ao alienante do imóvel da Rua Bororó, também não se presta para respaldar inteiramente a alegação da apelante. Isso porque, embora a quantia tenha saído de conta de sua titularidade, poderia ser fruto das economias mencionadas pelo autor em seu depoimento pessoal, inclusive porque a transferência ocorreu muito antes da alienação do bem particular da demandada.

Em suma, por não haver prova consistente da sub-rogação no valor referente à totalidade do valor da entrada do imóvel da Rua Bororó, como aduz a apelante, deve-se reconhecer a sub-rogação nos exatos limites da confissão do autor, isto é, na quantia de R$ 87.000,00, considerando que a entrada foi de R$ 187.000,00 e o apelado aduziu que a quantia oriunda de economias do casal era de aproximadamente R$ 100.000,00.

Ponderando-se o valor do imóvel, de R$ 500.000,00, a sub-rogação de bem particular da apelante, de R$ 87.000,00, representa 17,4% do bem, percentual que deve ser excluído da partilha, porque pertencente à apelante.

Por óbvio, o restante do valor da entrada (R$ 100.000,00), que equivale ao percentual de 20% sobre o bem, deve ser partilhado igualitariamente entre os contendores. Logo, em relação à quantia paga a título de entrada, a meação do autor é correspondente a 10% sobre o valor do bem.

Em relação à parte financiada do imóvel (R$ 313.000,00), para o cálculo da meação a que o autor faz jus, deve-se apurar qual o percentual que os pagamentos das parcelas efetuados na constância da união estável representam sobre o bem. Para levar a efeito o cálculo desse montante, há que se ter em conta as seguintes variáveis: a) valor de aquisição do bem (VAB); b) valor da entrada (VAE); c) número total de prestações do financiamento (NTPF); d) número de prestações pagas durante a relação (NPPR). Assim, o montante em percentual (representado por “X”) sobre o valor atual do bem poderá ser encontrado pela seguinte fórmula: X = [(NPPR / NTPF) / 2 ] X [ 1 -(VAE / VAB)].

As variáveis, no caso, são: a) VAB: R$ 500.000,00; b) VAE: R$ 187.000,00; c) NTPF: 240; d) NPPR: 27 (de fevereiro de 2011 a abril de 2013). Com a aplicação da fórmula mencionada – X = [(27/240) / 2 ] X [ 1 – (187.000,00/500.000,00)] -, conclui-se que o quinhão do autor sobre a parte financiada do bem corresponde a 3,52125% sobre o valor do imóvel.

 Somando-se os percentuais já explicitados, resulta que o quinhão do apelado sobre o imóvel da Rua Bororó é correspondente ao percentual de 13,52125% do bem, percentual este que deverá incidir sobre o preço de mercado do imóvel no momento da avaliação para fins de ultimação da partilha.

A propósito, calha salientar que o apelado reconheceu, em seu depoimento pessoal, que, depois da separação fática dos litigantes, apenas a apelante efetuou o pagamento das parcelas do financiamento imobiliário (fl. 208).

Quanto aos bens móveis que guarnecem o imóvel da Rua Bororó, a sentença atacada pontuou que “os móveis que guarnecem a residência, reconhecidamente adquiridos na constância da união estável (até abril de 2013), devem ser partilhados igualmente” (fl. 262).

A apelante refere que o mobiliário deve ser excluído da partilha, considerando o teor do depoimento pessoal do autor, no sentido de que os móveis já pertenciam à demandada, tendo eles adquirido poucas coisas durante a união estável. Pugna pela reforma da sentença para excluir da partilha “o mobiliário que guarnece a casa da Rua Bororó” (fl. 299).

Não assiste razão à apelante no ponto. Não obstante a tese esgrimida nas razões recursais, do depoimento pessoal da requerida extrai-se que ela confirmou a alegação trazida pelo autor na inicial e na fl. 134, de que, durante a união estável, foram adquiridos conjuntos de sofá que ambientam a piscina, conjuntos de sofá da sala, aparelhos televisores e um quarto estilo Gramado (fl. 211v.), tornando incontroversa, pois, a alegação. Cumpre salientar que o autor, em seu depoimento pessoal, reconheceu que a maior parte do mobiliário já pertencia à recorrente, mas mencionou que os litigantes adquiriram “algumas coisas” na constância da união estável (fl. 206), o que não infirma o que foi dito pela demandada, pois, efetivamente, são poucos os móveis que foram comprados na constância da relação.

Destaco que, apesar de a demandada sustentar que foram os móveis custeados com recursos que lhe pertenciam exclusivamente, não se desincumbiu, a contento, do ônus probatório que lhe competia nesse aspecto, uma vez que não aportou aos autos nenhuma prova que conforte tal alegação. Nesse panorama, em razão do regime de bens que rege a união estável, deve prevalecer a presunção de esforço comum, a ensejar a partilha dos móveis elencados na fl. 134.

No tocante às cotas sociais da sociedade limitada Esporta Academia de Ginástica, a sentença recorrida definiu que, por não ter sido comprovada a sub-rogação alegada pela demandada, seriam partilháveis as cotas tituladas pela apelante, que correspondem a 99% do total das cotas sociais daquela empresa, tendo como base o balanço da empresa por ocasião da data da separação, cuja avaliação deverá ser feita em liquidação de sentença.

Nas razões de apelação, a requerida aduz ter havido confissão do apelado quanto ao fato de que a constituição da empresa se deu com a utilização de valores provenientes da alienação de seu apartamento situado na Rua Coronel Bordini e que, pouco tempo depois, o outro sócio retirou-se, vendendo suas cotas à apelante. No mais, assevera P. que a aquisição das cotas que pertenciam a R. também foram custeadas com o produto da venda de seu apartamento na Rua Coronel Bordini. Requer a reforma da sentença para excluir da partilha “todas as quotas da Esporta Academia de titularidade da apelante” (fl. 299).

A empresa limitada em questão teve seus atos constitutivos registrados na Junta Comercial em 08.09.2004, tendo por sócios a demandada e R. P. F. J., cada um deles titular de 10.000 cotas sociais (fls. 102-105).

A pretensão da apelante comporta parcial acolhimento no ponto. Sobre esse tema, o apelado também confessou, em seu depoimento pessoal, que as cotas tituladas pela apelante quando da constituição da sociedade empresária foram integralizadas com valores oriundos da alienação de bem particular da apelante, situado na Rua Coronel Bordini, como se infere do seguinte excerto do depoimento, que ora transcrevo (fls. 205-206):

(…) D: Deixa eu explicar para o senhor, eu ficava um pouco na casa dos meus pais, depois eu passei a ficar um pouco na casa na Bordini, namorando, um pouco na casa, um pouco na Bordini, depois o que aconteceu, ela vendeu o apartamento da Bordini dela para comprar uma casa onde nós passamos a morar juntos, na Armando Barbedo.

(…) J: A tese dela é essa. O senhor acabou de falar que ela vendeu um apartamento da Bordini, o senhor chegou a verificar como é que foi isso, como é que foi esse negócio, o que ela fez com esse dinheiro?

D: Esse dinheiro ela investiu uma parte desse dinheiro.

J: Em quê?

D: Numa outra residência.

J: Em qual residência?

D: Da Armando Barbedo.

J: E ela chegou a investir esse dinheiro em outra coisa também, sobrou um pouco de dinheiro para investir em outra coisa ou não?

D: Uma parte desse dinheiro nós montamos uma sociedade numa empresa, a Esporta Academia.

J: Ela botou esse dinheiro lá?

D: Uma parte dele.

J: O senhor qual é o valor que ela colocou na academia?

D: Não sei lhe dizer agora, mas foi metade do valor da empresa porque nós tivemos um sócio nessa empresa, o R.

J: E o sócio tinha a outra metade?

D: Exatamente, ele tinha a outra metade da sociedade, que depois de um período, a sociedade… (grifei)

Diante do teor do depoimento pessoal do autor, é imperioso reconhecer a ocorrência de sub-rogação no tocante às 10.000 cotas tituladas pela apelante no momento da constituição da sociedade empresária, em 08.09.2004, as quais correspondiam a 50% do capital social, consoante referido pelo apelado e como consta do documento das fls. 102-105, porque incontroverso que tais cotas foram integralizadas com o produto da venda de bem particular da demandada.

Resta definir se as demais cotas sociais que atualmente são de titularidade da recorrente, correspondentes a 49% do capital social, adquiridas posteriormente à constituição da sociedade empresária, quando da retirada do sócio R., são partilháveis, ou não.

O instrumento de alteração contratual das fls. 102-105 dá conta de que, em 02.05.2005, o então sócio R. P. F. J. retirou-se da sociedade limitada, alienando à demandada as 10.000 cotas que lhe pertenciam. No mesmo ato, a requerida alienou 200 cotas sociais a A. M. M. M.. Com as alterações efetuadas, a companheira passou a deter 99% do capital social, sendo titular de 19.800 cotas desde então.

Em seu depoimento pessoal, o autor asseverou que a aquisição destas cotas provenientes da retirada do sócio R. se deu com o emprego de verbas obtidas com linhas de empréstimo bancário (fl. 207). Por sua vez, a demandada referiu que a compra foi efetuada com dinheiro seu, oriundo de poupança formada com quantias doadas pelo seu genitor (fl. 211). Contudo, a alegação da apelante não vem respaldada por qualquer elemento probatório.

Nesse panorama, configurada a controvérsia no ponto, tem-se que, em relação às 9.800 cotas sociais que sobrevieram à demandada na constância da união estável, em decorrência da retirada do sócio R., novamente deve prevalecer a presunção de esforço comum na constituição deste patrimônio, a ensejar a partilha igualitária. Isso porque tal presunção não foi elidida por prova inequívoca de que a aquisição destas 9.800 cotas tenha se dado com o emprego de valores exclusivamente pertencentes à companheira, como por ela alegado.

Por fim, no que diz respeito à dívida decorrente do saldo negativo na conta bancária da apelante junto à Caixa Econômica Federal (conta corrente n. 14.973-7), no valor de R$ 16.555,63, cuja partilha foi requerida pela apelante em contestação (fl. 44), o Juízo de origem indeferiu o pedido, sob o fundamento de que os extratos bancários apresentados seriam insuficientes para comprovar que tal dívida foi contraída em proveito comum dos companheiros.

A requerida postula a reforma da sentença no ponto, referindo que a presunção de esforço comum na aquisição de bens deve incidir nessa hipótese, no sentido de presumir-se que se trata de dívida comum.

Sobre o tema, assiste razão, em parte, à apelante.

Com efeito, o art. 1.643 do Código Civil – presente no capítulo das disposições gerais do regime de bens entre os cônjuges, que se aplica também às uniões estáveis – , estabelece que:

Art. 1.643. Podem os cônjuges, independentemente de autorização um do outro:

I – comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica;

II – obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir.

De acordo com o art. 1.644 do CCB, “as dívidas contraídas para os fins do artigo antecedente obrigam solidariamente ambos os cônjuges”. Ademais, especificamente acerca do regime da comunhão parcial, assim prevê o art. 1.664 do CCB:

Art. 1.664. Os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal.

Resulta de tais normas a presunção de que a constituição de dívidas reverte para pagamento/aquisição de coisas necessárias à economia e vida familiar. Desse modo, no caso, não havendo qualquer elemento probatório apto a infirmar a aludida presunção, tem-se que é de ambos os litigantes a obrigação de pagamento da dívida resultante do saldo negativo da conta corrente de titularidade da apelante na data da ruptura da união estável.

Logo, embora seja de rigor a partilha da dívida, descabe que seja especificamente no valor apontado pela apelante, de R$ 16.555,63, porquanto esta quantia não representa o saldo negativo na data da dissolução da união estável (30.04.2013), mas em 02.09.2013 (fl. 117).

Assim, merece reforma a sentença no ponto, devendo ser incluída na partilha a dívida decorrente do saldo negativo da conta bancária de titularidade da companheira na data da dissolução da união estável, isto é, 30.04.2013, em valor a ser apurado em sede de liquidação.

No tocante ao pedido de concessão da gratuidade da justiça, verifico que, apesar de haver requerimento nesse sentido na contestação (item “d” dos pedidos – fl. 44), o pleito não foi apreciado pelo Juízo de origem. Contudo, tendo o Juízo a quo condenado a demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, é de se considerar rejeitado o requerimento, daí decorrendo o interesse recursal da requerida.

Contudo, entendo que não deve prosperar a pretensão recursal. Conforme o art. 98, caput, do CPC, a pessoa natural com insuficiência de recursos para pagar despesas processuais e honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, sendo que alegação de insuficiência por ela deduzida tem presunção de veracidade (art. 99, § 3º, do CPC), de modo que o indeferimento do pedido somente se justifica ante elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade.

Na espécie, tem-se que a requerida é sócia majoritária de academia cujas atividades iniciaram em 2004 e que permanece em funcionamento. Além disso, a análise da declaração de ajuste anual de imposto de renda das fls. 121-128, apesar de referir-se ao longínquo ano-calendário de 2012, denota que a requerida já naquela época possuía patrimônio incompatível com a alegação de insuficiência de recursos.

Ressalto que o documento apresentado juntamente com as razões recursais, uma memória de cálculo de um débito objeto de ação de cobrança movida contra a apelante (fls. 305-306) não se presta para comprovar a insuficiência de recursos que autoriza a concessão da gratuidade judiciária.

Por tais fundamentos, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação, reformando a sentença para: (a) em relação à partilha do imóvel da Rua Bororó, 708 – matrícula 105.170 do Registro de Imóveis da 3ª Zona de Porto Alegre -, reconhecer o quinhão do apelado no  percentual de 13,52125% sobre o bem, percentual este que deverá incidir sobre o preço de mercado do imóvel no momento da avaliação para fins de ultimação da partilha; (b) determinar a partilha igualitária de 9.800 cotas sociais da Esporta Academia de Ginástica Ltda., de titularidade da demandada, tendo como base o balanço da empresa na data da dissolução da união estável, cuja avaliação deverá ser feita em liquidação de sentença; (c) determinar a partilha da dívida decorrente do saldo negativo da conta bancária de titularidade da recorrente junto à Caixa Econômica Federal (agência 0958, conta 14.973-7) na data da ruptura da união estável, isto é, 30.04.2013, em valor a ser apurado em sede de liquidação de sentença.

Consequentemente, diante do parcial provimento da apelação, sendo cada litigante, em parte, vencedor e vencido, faz-se imperiosa a redistribuição do ônus de sucumbência, proporcionalmente entre os contendores, a teor do art. 86 do CPC. Assim, condeno a parte autora ao pagamento de 40% das custas processuais e honorários advocatícios no valor de R$ 2.500,00, restando suspensa a exigibilidade de pagamento em virtude da gratuidade da justiça a ele concedida (fl. 18); por outro lado, condeno a parte demandada ao pagamento de 60% das custas processuais e honorários advocatícios no valor de R$ 2.500,00.

Des. Ricardo Moreira Lins Pastl – De acordo com o(a) Relator(a).

Des. José Antônio Daltoé Cezar – De acordo com o(a) Relator(a).

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS – Presidente – Apelação Cível nº 70076149434, Comarca de Porto Alegre: “DERAM PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY

Fonte: https://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/download/exibe_documento_att.php?numero_processo=70076149434&ano=2018&codigo=805614