A família sempre foi a base de qualquer sociedade, e poucos pensadores exploraram essa ideia com tanta profundidade quanto Aristóteles. Em sua obra Política, ele descreve a família como a célula fundamental da organização social e enfatiza que o bem-estar da sociedade está diretamente ligado à saúde dessas pequenas comunidades. Para Aristóteles, política e moral caminham juntas, pois o objetivo maior da vida humana é a eudaimonia — a felicidade plena e a realização do potencial individual. E essa felicidade só é possível dentro de um ambiente social bem estruturado, que tem início na família.
A Família como Essência da Sociedade
Para Aristóteles, o ser humano é um “zoon politikon” — um ser naturalmente social. Nenhum indivíduo pode alcançar sua realização sozinho. A primeira forma de associação humana surge na união entre homem e mulher, que dá origem à família. Essa pequena comunidade evolui para aldeias e, mais adiante, para a polis — a cidade-Estado, onde a vida coletiva se organiza.
O papel da família vai além da biologia; ela é um espaço de aprendizado moral e educacional. É no seio familiar que os indivíduos aprendem valores, deveres e responsabilidades. Quando essa estrutura falha, toda a sociedade sofre as consequências. Aristóteles defendia que a virtude deve ser ensinada desde a infância, e a família é o primeiro espaço para essa formação.
Famílias Disfuncionais e Seus Impactos na Sociedade
A visão aristotélica nos permite analisar os desafios da sociedade contemporânea. Quando uma família não consegue oferecer estabilidade emocional e moral, os indivíduos crescem sem uma base sólida para lidar com o mundo. Isso pode gerar insegurança, ressentimento e dificuldades na construção de relações saudáveis.
Nessa perspectiva, a dissolução de uma família disfuncional pode ser um passo necessário para restaurar a harmonia social. Um casamento marcado por conflitos constantes não prejudica apenas os cônjuges, mas também os filhos e, por extensão, toda a sociedade. Aristóteles provavelmente argumentaria que, se a família deixou de cumprir seu papel na busca pela eudaimonia, sua reestruturação pode ser moralmente justificável.
O Equilíbrio entre o Individual e o Coletivo
Embora Aristóteles não defendesse um individualismo extremo, ele reconhecia que o bem-estar pessoal é essencial para o bem-estar coletivo. Em outras palavras, uma pessoa que vive em sofrimento dentro de uma estrutura familiar desgastada dificilmente conseguirá contribuir positivamente para a sociedade. Dessa forma, fortalecer a liberdade individual para reconstruir laços mais saudáveis é, na verdade, um investimento no bem comum.
Essa lógica se aplica ao Direito de Família nos dias de hoje. O divórcio, por exemplo, não deve ser encarado como um fracasso, mas como uma oportunidade de recomeço. Quando o indivíduo está bem, a família prospera; e quando a família está bem, a sociedade se fortalece. Esse ciclo de equilíbrio e renovação é essencial para a evolução social.
Conclusão
A filosofia de Aristóteles nos ensina que a sociedade é um organismo interdependente, onde cada parte influencia o todo. A família, como primeiro núcleo social, tem um papel determinante na construção de uma sociedade justa e funcional. Quando essa estrutura falha, os impactos são sentidos em todos os níveis da convivência humana.
Diante disso, o Direito de Família não deve ser visto apenas como um instrumento de separação, mas de reconstrução. Assim como Aristóteles via a polis como um espaço para o florescimento humano, podemos enxergar o Direito de Família como um meio para garantir que os indivíduos tenham tanto liberdade quanto estrutura para buscar a eudaimonia.
Juliano Trindade – Advogado especialista em Direito de Família e Sucessões (OAB/RS nº 53.574) e estudante de Filosofia (bacharelado).