Primeiro julgamento: processo nº 70082663261
Reconhecida união estável paralela ao casamento
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) atendeu parcialmente a pedido em recurso e reconheceu união estável concomitante ao casamento. A decisão da 8ª Câmara Cível também admite a partilha dos bens eventualmente adquiridos durante a relação extraconjugal, o que deverá ser buscado em outra ação judicial.
O apelo ao TJRS foi movido por mulher que se relacionou por mais de 14 anos com o parceiro, enquanto ele mantinha-se legalmente casado – e até que morresse, em 2011. Ela contou que os dois moraram juntos em algumas cidades do Rio Grande do Sul e no Paraná.
O reconhecimento de união estável quando em paralelo a casamento é incomum, e o Código Civil, por exemplo, estabelece como exceção apenas quando a pessoa é separada de fato ou judicialmente. Ocorre que o caso da decisão também é incomum. Isso porque a conclusão foi de que a esposa sabia que o marido tinha aquela relação fora do matrimônio. Essa peculiaridade fez diferença na decisão.
Conforme o Desembargador José Antônio Daltoé Cezar, uma vez comprovada a relação extraconjugal “duradoura, pública e com a intenção de constituir família”, ainda que concomitante ao casamento, é possível, sim, admitir a união estável “desde que o cônjuge não faltoso com os deveres do casamento tenha efetiva ciência da existência dessa outra relação fora dele, o que aqui está devidamente demonstrado”, disse o relator.
Para ele, “se a esposa concorda em compartilhar o marido em vida, também deve aceitar a divisão de seu patrimônio após a morte, se fazendo necessária a preservação do interesse de ambas as células familiares constituídas”.
Afeto
O Desembargador disse também que não pode o “formalismo legal” prevalecer sobre uma situação de fato consolidada por anos, e que no direito de família contemporâneo o “norte” é o afeto. “Havendo inércia do legislador em reconhecer a simultaneidade familiar, cabe ao Estado-juiz, suprindo essa omissão, a tarefa de análise das particularidades do caso concreto e reconhecimento de direitos”, afirmou no acórdão.
Considera que o conceito de família está em transformação, “evolução histórica” atrelada a avanços sociais, permitindo a revisão do princípio da monogamia e o dever de lealdade estabelecidos. “Deixando de lado julgamentos morais, certo é que casos como o presente são mais comuns do que pensamos e merecem ser objeto de proteção jurídica, até mesmo porque o preconceito não impede sua ocorrência, muito menos a imposição do ‘castigo’ da marginalização vai fazê-lo”.
Demais votos
Entre os julgadores que acompanharam o voto do relator, O Desembargador Rui Portanova comentou sobre outro aspecto do processo, que é a repartição de bens do falecido. “Não vejo como justo que um relacionamento que durou décadas, e que era de todos conhecido, pode simplesmente ser apagado do mundo jurídico”, disse ele. “A partir desse ponto de vista, é preciso buscar a interpretação da regra que melhor se aproxima do direito posto sem, contudo, permitir que qualquer das partes obtenha vantagem em detrimento do direito da outra”.
O Desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl reconheceu o relacionamento estável afirmando que solução diferente “consagraria, ao cabo, uma situação de injustiça e, especialmente, de enriquecimento indevido da Sucessão”.
Para a Juíza de Direito convocada ao TJRS, Rosana Broglio Garbin, o ordenamento jurídico deve acompanhar a evolução das relações sociais de modo a superar “conceitos atrasados” e que não atendam à pluralidade das entidades familiares.
O posicionamento divergente foi do Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, cujo entendimento é de que o direito de família brasileiro está baseado no princípio da monogamia. “Se não são admitidos como válidos dois casamentos simultâneos, não há coerência na admissão de uma união de fato (união estável) simultânea ao casamento – sob pena de se atribuir mais direitos a essa união de fato do que ao próprio casamento, pois um segundo casamento não produziria efeitos, enquanto aquela relação fática, sim”.
Segundo julgamento: processo nº 70081683963
Em nova decisão, TJRS reconhece união estável de 50 anos paralela ao casamento
Em julgamento realizado na semana passada, novamente a 8ª Câmara Cível do TJRS julgou procedente, por unanimidade, pedido de reconhecimento de união estável paralela ao casamento.
Neste caso, a autora da ação manteve relacionamento durante meio século com um homem casado legalmente. Após o falecimento dele, ela ingressou na Justiça requerendo o reconhecimento da união estável e o direito à partilha dos bens.
No Juízo do 1º grau, foi reconhecida a união estável somente entre os anos de 2006 a 16/12/2011, sendo que a autora se relacionava com o falecido desde 1961. Na sentença, a união estável foi reconhecida a partir da separação legal do falecido com a ex-esposa, ocorrida em 2005.
A autora recorreu ao TJRS, que reformou a sentença e reconheceu a união estável entre 1961 e 2011.
Decisão
O relator do processo, Desembargador José Antonio Daltoé Cezar, afirmou que pelo relato das testemunhas é incontroverso que ocorreram os relacionamentos concomitantes, pelo menos, até janeiro de 2006, quando o falecido se separou de fato da ex-esposa e passou a morar com a autora da ação.
“Sob tal óptica, possível apontar que o falecido manteve relacionamento com a autora desde 1961 até 16/12/2011, data de sua morte, cabendo salientar que de 1961 até janeiro de 2002 a relação foi paralela ao casamento com a ré e, a partir daí, com a separação de fato desta, exclusiva com a autora”.
Para o Desembargador Daltoé, “caso provada a existência de relação extraconjugal duradoura, pública e com a intenção de constituir família, ainda que concomitante ao casamento e sem a separação de fato configurada, deve ser, sim, reconhecida como união estável, mas desde que o cônjuge não faltoso com os deveres do casamento tenha efetiva ciência da existência dessa outra relação fora dele, o que aqui está demonstrado”.
O magistrado destacou também que a ex-esposa faleceu em 2013, não sendo possível sua oitiva no decorrer do processo. No entanto, ressaltou que era “evidente” que a A. tinha conhecimento da relação mantida entre seu ex-marido e a autora da ação.
“Os termos da convivência mantida entre a autora e o falecido torna impossível que não tivesse conhecimento da união estável mantida, conforme indicou a prova testemunhal. Ora, se a esposa concorda em compartilhar o marido em vida, também deve aceitar a divisão de seu patrimônio após a morte, se fazendo necessária a preservação do interesse de ambas as células familiares constituídas”.
Assim, por unanimidade, foi julgado procedente o reconhecimento da união estável de 1961 até 2011, com a devida partilha dos bens, que deverá ser requerida em ação junto ao inventário em tramitação.
Também participaram do julgamento e acompanharam o voto do relator os Desembargadores Rui Portanova e Luiz Felipe Brasil Santos.
Fonte: TJRS – Notícias
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