Decisão: Ato de Alteração de concessão de pensão civil em favor de duas companheiras. Publicação TCU

GRUPO I – CLASSE V – Segunda Câmara TC 006.903/2011-8 Natureza: Pensão Civil. Unidade: Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (atual Ministério da Economia). Interessadas: Joana dos Reis de Jesus Sena (CPF 181.249.925-68), Marinalva Conceição Cruz (CPF 217.830.045-68) e Shirlei Conceição Paris (CPF 833.668.655-04). Representação legal: não há.

SUMÁRIO: ATO DE ALTERAÇÃO DE CONCESSÃO DE PENSÃO CIVIL EM FAVOR DE DUAS COMPANHEIRAS. DILIGÊNCIAS E OITIVAS. INSUFICIÊNCIA DA DOCUMENTAÇÃO JUNTADA PARA COMPROVAR A UNIÃO ESTÁVEL NO MOMENTO DO ÓBITO OU A SUCESSÃO DESSE VÍNCULO COM AS DUAS INTERESSADAS. ILEGALIDADE. NEGATIVA DE REGISTRO.

RELATÓRIO

Adoto como relatório a instrução elaborada na Secretaria de Fiscalização de Pessoal – Sefip, que obteve a anuência dos dirigentes daquela unidade técnica e do Ministério Público junto ao Tribunal – MPTCU:

“INTRODUÇÃO

1. Trata-se de ato de alteração da concessão da pensão civil instituída por Osvaldo Mamede Ferreira Paris (CPF: 045.479.185-20), ex-servidor do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (Extinto).

2. O ato foi submetido, para fim de registro, à apreciação do Tribunal de Contas da União (TCU), de acordo com o art. 71, inciso III, da Constituição Federal. O cadastramento e a disponibilização ao TCU ocorreram por intermédio do Sistema de Apreciação e Registro de Atos de Admissão e Concessões, na forma dos arts. 2º, caput e incisos I a VI, e 4º, caput, da Instrução Normativa – TCU 78/2018.

3. Ao benefício pensional instituído pelo ex-servidor habilitaram-se Shirlei Conceição Paris (CPF: 833.668.655-04), filha do ex-servidor, Joana dos Reis de Jesus Sena (CPF: 181.249.925-68) e Marinalva Conceição Cruz (CPF: 217.830.045-68), estas últimas habilitadas na condição de companheira do ex-servidor.

HISTÓRICO

4. Considerando a habilitação concomitante de duas beneficiárias na condição de companheira do exservidor, esta Unidade Técnica oportunizou a oitiva das interessadas (peças 2 a 4), as quais foram regularmente notificadas (peças 10 e 16) e encaminharam a documentação acostada às peças 9, 11 e 18 a 22. A Unidade Jurisdicionada encaminhou a documentação constante da peça 8.

EXAME TÉCNICO

5. Em consulta ao Siape (peça 23), verifica-se que a filha do ex-servidor foi excluída do rol de beneficiárias em 28/11/2006, por haver atingido a maioridade, remanescendo o pagamento da pensão em favor das duas beneficiárias habilitadas na condição de companheira do ex-servidor.

6. Cumpre ressaltar que a habilitação da beneficiária Joana dos Reis de Jesus Sena (CPF: 181.249.92568) foi objeto do ato inicial da concessão, apreciado por esta Corte nos autos do TC 015.333/2010-8, mediante a prolação do Acórdão 5580/2010-TCU-1ª Câmara, de relatoria do Ministro Valmir Campelo, com julgamento pela legalidade. Assim, entende-se superado eventual questionamento acerca da habilitação da citada beneficiária. Os documentos que ampararam a habilitação da interessada constam da peça 9. A resposta da interessada à oitiva consta da peça 11.
7.No que se refere à habilitação da beneficiária Marinalva Conceição Cruz (CPF: 217.830.045-68), foram carreados aos autos os seguintes documentos com vistas a fazer prova da existência de união estável mantida com o ex-servidor: proposta de seguro de vida firmada pelo ex-servidor em 16/4/1997, em que a interessada figura como beneficiária na condição de companheira (peça 8, p. 8 e 9); alvará judicial expedido em favor da interessada para levantamento de seguro de vida deixado pelo ex-servidor (peça 8, p. 10); e certidão de nascimento de filha havida em comum com o ex-servidor no ano de 1985. Embora regularmente notificada (peça 16), a interessada não apresentou suas alegações de defesa em resposta à oitiva, sendo carreada aos autos apenas a documentação acostada às peças 18 a 22, constituída basicamente de cópias de documentos pessoais e fotografias.

8. Assim, embora os elementos de prova constantes dos autos indiquem que, em algum momento, o ex-servidor tenha mantido um relacionamento com a interessada, inclusive havendo uma filha em comum, não há como afirmar, de modo inequívoco, que a interessada mantinha união estável com o ex-servidor quando do óbito deste. Ademais, importa ressaltar que esta Corte de Contas considerou legal a habilitação da beneficiária Joana dos Reis de Jesus Sena, inexistindo no ordenamento jurídico pátrio amparo para a habilitação concomitante de duas beneficiárias na condição de companheira.

9. Não há como se reconhecer, assim, a existência de uniões estáveis simultâneas, muito embora seja possível a partilha do benefício pensional entre duas companheiras, na hipótese em que reste comprovada a sucessão de uniões estáveis, tendo sido estabelecida pensão alimentícia em relação à primeira delas, hipótese esta que seria equiparável à situação da ex-esposa pensionada, prevista no art. 217, inciso I, alínea ‘b’, da Lei 8.112/1990. Entretanto, não é essa a hipótese que restou demonstrada nestes autos.

10. Ora, para se reconhecer a união estável não é suficiente tão somente a verificação do objetivo de constituir família. A unicidade de relacionamento constitui elemento essencial do instituto, assim como no casamento, ao qual a união estável se equipara para os efeitos jurídicos. Veja-se, a propósito, o que diz a Lei 9.278/1996, que regulamentou o § 3º do art. 226 da CF/1988: ‘Art. 1º. É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família’ (grifos acrescidos pela instrução).

11. Ainda que o Supremo Tribunal Federal tenha ampliado o alcance do art. 226, de modo a reconhecer a possibilidade de existência de união estável entre pessoas do mesmo sexo (ADI 4.277/DF, Relator Min. Ayres Britto, in DJe 14/10/2011), o ordenamento jurídico pátrio ainda não agasalha a bigamia.

12. Desse modo, não sendo possível reconhecer a união estável entre um homem e duas mulheres simultaneamente, em razão da própria natureza do instituto, forçoso concluir pela impossibilidade de rateio do benefício previdenciário. Nesse sentido é a jurisprudência majoritária desta Corte, a exemplo, dentre outros, dos acórdãos da 1ª Câmara 3.757/2010 e 2.822/2008, ambos de relatoria do Ministro Marcos Bemquerer, e do acórdão da 2ª Câmara 4.226/2014, de relatoria do Ministro Aroldo Cedraz.

13. Em vista do acima expendido, não há como prosperar o ato de alteração ora examinado, cabendo proposta no sentido de considerar ilegal, para fins de registro, o aludido ato de concessão, devendo ser revertida em favor da beneficiária Joana dos Reis de Jesus Sena (CPF: 181.249.925-68) a cota parte atualmente destinada à beneficiária Marinalva Conceição Cruz (CPF: 217.830.045-68).

CONCLUSÃO

14. Por tudo que foi apresentado, propõe-se considerar ilegal, negando-lhe registro, o ato de alteração de concessão de pensão civil constante deste processo.

PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO

15. Ante o exposto, e de conformidade com o preceituado nos artigos 71, III, da Constituição Federal de 1988; 1º, V, e 39, II, da Lei 8.443/1992; 1º, VIII, 259, II, 260, § 1º, e 262 do Regimento Interno/TCU, propõe-se: 15.1 considerar ilegal, negando-lhe registro, o ato de alteração da concessão da pensão civil instituída pelo ex-servidor Osvaldo Mamede Ferreira Paris (CPF: 045.479.185-20);

15.1.1 dispensar o ressarcimento das quantias indevidamente recebidas, presumida a boa-fé, consoante o disposto no Enunciado 106 da Súmula de Jurisprudência do TCU;

15.1.2 determinar ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (Extinta) que, nos termos dos art. 262, caput, do Regimento Interno do TCU:

a) abstenha-se de realizar pagamentos decorrentes do ato de pensão considerado ilegal, no prazo de 15 (quinze) dias, prazo esse contado a partir da ciência dessa deliberação, sujeitando-se a autoridade administrativa omissa à responsabilidade solidária;

b) reverta em favor da beneficiária Joana dos Reis de Jesus Sena (CPF: 181.249.925-68) a cota parte atualmente destinada à beneficiária Marinalva Conceição Cruz (CPF: 217.830.045-68);

c) comunique à beneficiária Marinalva Conceição Cruz (CPF: 217.830.045-68) acerca do teor deste Acórdão, alertando-a de que o efeito suspensivo proveniente da interposição de eventuais recursos, junto ao TCU, não a eximirá da devolução dos valores percebidos indevidamente após sua notificação, caso os recursos não sejam providos; e

d) encaminhe ao TCU o comprovante de que as interessadas tomaram ciência do inteiro teor desta deliberação.” É o relatório.

VOTO

Após apreciar o ato de alteração da pensão civil instituída por Osvaldo Mamede Ferreira Paris, ex-servidor do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (atual Ministério da Economia), em favor de Joana dos Reis de Jesus Sena, Marinalva Conceição Cruz (companheiras) e Shirlei Conceição Paris (filha), os pareceres foram pela ilegalidade do ato.

2. O fundamento da proposta está na verificação de que a alteração para incluir a beneficiária Marinalva Conceição Cruz seria irregular, por, em essência, não ser possível a habilitação concomitante de duas beneficiárias na condição de companheira, ante a falta de amparo legal. 3. A Sefip registrou que a filha do ex-servidor foi excluída do rol de beneficiárias em 28/11/2006 por ter atingido a maioridade (peça 23). 4. A jurisprudência deste Tribunal, de fato, apenas admite a partilha do benefício pensional entre duas companheiras na hipótese em que reste comprovada a sucessão de uniões estáveis, como na situação em que a primeira delas receba pensão alimentícia (art. 217, inciso II, da Lei 8.112/1990). 5. Isso porque o ordenamento jurídico brasileiro não permite o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas (Acórdão 3.079/2017 – 2ª Câmara, da minha relatoria, por exemplo). 6. Como ressaltou a unidade técnica, neste caso a concessão inicial em favor de Joana dos Reis de Jesus Sena foi considerada legal por este Tribunal (Acórdão 5.580/2010 – 1ª Câmara, relator o ministro Valmir Campelo). Além disso, consta à peça 8, p. 3, cópia de sentença proferida em justificação judicial que reconheceu o convívio marital daquela beneficiária até o dia do falecimento do ex-servidor, ocorrido em 19/6/2000. 7. Em relação a Marinalva Conceição Cruz, mesmo chamada a se manifestar no processo (peças 15/6), limitou-se ela a apresentar documentos que não são aptos para comprovar a união estável nos termos do art. 1º da Lei 9.278/1996 (peças 18/22). 8. Os documentos juntados pelo órgão concedente, por sua vez, mostram que Marinalva Conceição Cruz estava relacionada como dependente do instituidor da pensão na Declaração de Ajuste Anual de Imposto de Renda do exercício de 2000, na condição de companheira; foi beneficiária de proposta de seguro de vida firmada pelo ex-servidor em 16/4/1997, também na condição de companheira; e levantou 50% do valor desse seguro em nome de sua filha com Osvaldo Mamede Ferreira Paris (Shirlei Conceição Paris), a qual nasceu em 28/11/1985 (peça 8, p. 6/10). 9. Embora esses elementos sinalizem para a existência, em algum momento, de relacionamento do ex-servidor com Marinalva Conceição Cruz, não há dúvidas de que são insuficientes para comprovar, de forma inequívoca, a união estável ou a condição de beneficiária de pensão alimentícia da interessada no momento do óbito. 10. Assim, e considerando que o ato em tela indica que as duas interessadas foram beneficiárias da pensão como companheiras do falecido (peça 24), conclui-se por sua ilegalidade. Ante o exposto, acolho os fundamentos dos pareceres como razões de decidir e voto por que o Colegiado aprove a minuta de acórdão que submeto à sua deliberação.

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 8 de outubro de 2019.

ANA ARRAES Relatora

ACÓRDÃO Nº 9896/2019 – TCU – 2ª Câmara

  1. Processo TC 006.903/2011-8
  2. Grupo I – Classe V – Pensão Civil.
  3. Interessadas: Joana dos Reis de Jesus Sena (CPF 181.249.925-68), Marinalva Conceição Cruz (CPF 217.830.045-68) e Shirlei Conceição Paris (CPF 833.668.655-04).
  4. Unidade: Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (atual Ministério da Economia).
  5. Relatora: ministra Ana Arraes.
  6. Representante do Ministério Público: procurador Júlio Marcelo de Oliveira.
  7. Unidade Técnica: Secretaria de Fiscalização de Pessoal – Sefip.
  8. Representação legal: não há.
  9. Acórdão: VISTO, relatado e discutido ato de alteração de concessão de pensão civil encaminhado pelo então Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. ACORDAM os ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão da 2ª Câmara, ante as razões expostas pela relatora, e com fundamento nos artigos 71, incisos III e IX, da Constituição Federal de 1988, 1º, inciso V, 39, inciso II, e 45 da Lei 8.443/1992, 1º, inciso VIII, 259, inciso II, e 262 do Regimento Interno, 8º da Resolução TCU 206/2007 e 19 da Instrução Normativa TCU 78/2018, bem como na Súmula TCU 106, em: 9.1. considerar ilegal o ato de alteração da concessão da pensão civil instituída por Osvaldo Mamede Ferreira Paris (número de controle 10805605-05-2007-000015-8) e negar-lhe registro; 9.2. dispensar a reposição das importâncias indevidamente recebidas de boa-fé até a notificação desta deliberação à unidade jurisdicionada; 9.3. determinar ao Ministério da Economia que: 9.3.1. no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da ciência desta deliberação, cesse pagamentos decorrentes do ato impugnado, sob pena de ressarcimento das quantias pagas indevidamente e responsabilização solidária da autoridade competente; 9.3.2. comunique às interessadas a deliberação deste Tribunal e alerte Marinalva Conceição Cruz de que o efeito suspensivo proveniente de eventual interposição de recursos junto ao TCU não a eximirá da devolução dos valores indevidamente recebidos após a notificação, em caso de não provimento dos apelos; 9.3.3. no prazo de 30 (trinta) dias, a partir da ciência deste acórdão, encaminhe a este Tribunal, por cópia, comprovantes das datas em que as interessadas dele tomarem conhecimento; e 9.3.4. no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência deste acórdão, emita novo ato, em que seja revertida a cota-parte percebida por Marinalva Conceição Cruz em favor de Joana dos Reis de Jesus Sena, e o submeta ao TCU para nova apreciação.
  10. Ata n° 36/2019 – 2ª Câmara.
  11. Data da Sessão: 8/10/2019 – Ordinária.
  12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-9896-36/19-2
  13. Especificação do quórum: 13.1. Ministros presentes: Augusto Nardes (na Presidência), Aroldo Cedraz, Raimundo Carreiro e Ana Arraes (Relatora). 13.2. Ministro-Substituto presente: Marcos Bemquerer Costa.

(Assinado Eletronicamente) JOÃO AUGUSTO RIBEIRO NARDES
(Assinado Eletronicamente) ANA ARRAES na Presidência Relatora

Fui presente:

(Assinado Eletronicamente) LUCAS ROCHA FURTADO Subprocurador-Geral