Dano moral: falta de afeto de pai não é indenizável, decide TJ-RS

Foi publicada, ontem, 04.12.2012, matéria do CONJUR sobre decisão proferida pela 8ª Câmara Cível do TJRS em que o Tribunal negou indenização a uma filha que sofreu abandono afetivo pelo pai.

Com as devidas alterações fáticas (os casos não são idênticos), parece que a decisão contraria o entedimento mais atual do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, no Recurso Especial nº 1.159.242-SP, manifestou-se no sentido de que cabe indenização aos filhos em caso de abandono afetivo pelos pais.

Confira a reportagem e, ao final, o teor da decisão em comento:

Por absoluta impossibilidade de aferição de culpa, não é possível indenizar os diversos tipos abalos decorrentes da falta de afeto. A conclusão é da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao manter sentença que negou reparação moral decorrente de abandono afetivo por parte de um pai com relação à filha, reconhecida em 1995.

 O acórdão foi proferido dia 22 de novembro, com decisão unânime do colegiado. O processo tramita na Comarca de Gravataí, município da Região Metropolitana de Porto Alegre, sob segredo de Justiça.

 O caso

Após perder a ação de indenização por abandono afetivo cumulada com pedido de alimentos em primeira instância, a autora interpôs Apelação no Tribunal de Justiça. Preliminarmente, arguiu nulidade da sentença por cerceamento de defesa. Sustentou que não lhe foi oportunizada exames pericial e social. No mérito, afirmou que nunca recebeu ajuda do pai, apesar de este ostentar boa condição financeira. Ademais, informou ser dependente de remédio para depressão.

O pai se defendeu. Afirmou que a filha se casou e se tornou mãe de uma menina. Portanto, conta com amparo familiar, além dos R$ 150 que lhe alcança todo o mês. Ademais, apontou que ela apenas comprovou episódios depressivos e não incapacidade para o trabalho. Por fim, disse que já contribui com seu sustento desde que foi ajuizada a ação de investigação de paternidade.

Amar não é uma escolha

O relator da Apelação no TJ gaúcho, desembargador Alzir Felippe Schmitz, afastou o argumento de cerceamento de defesa, já que a autora não fez mínima prova da alegada ‘‘incapacidade laborativa’’ que pudesse justificar uma investigação mais aprofundada da sua condição. ‘‘Nessa linha, compulsando os autos, constato que não há qualquer documento que comprove a necessidade da autora, razão pela qual inexiste fundamento para se deferir o pedido de alimentos’’, afirmou o relator, que se baseou no Parecer do Ministério Público.

Quanto ao dano moral por abandono afetivo, o relator lembrou que não se está diante de hipótese de responsabilização objetiva, de modo que seria imprescindível a apuração da culpa do agente pelo evento danoso. Salientou que, no Direito de Família, as definições legais da matéria são insuficientes, uma vez que somente seria possível a aferição da culpa por negativa de afetividade a partir de análises psicológicas ou neurológicas do funcionamento cerebral humano.

O relator explicou que não há uma comprovação de que o exercício da afetividade seja seguramente uma escolha humana, já que não se pode comprovar nem com os argumentos colhidos no âmbito da Psicologia, tampouco com a ciência jurídica, que a afetividade possa ser exercida por vontade do ser humano. ‘‘Quanto a esse ponto, filio-me à corrente de entendimento de que mesmo os abalos ao psicológico, à moral, ao espírito e, de forma mais ampla, à dignidade da pessoa humana, em razão da falta de afetividade, não são indenizáveis por impossibilidade de aferição da culpa’’, afirmou, ao negar a Apelação. 

Veja o teor do acórdão (decisão do TJRS):

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COM PEDIDO DE ALIMENTOS. ABANDONO AFETIVO. ALIMENTOS. Ainda que comprovado o vínculo de pai e filha entre as partes, os alimentos às pessoas maiores de idade e capazes somente são reconhecidos quando comprovada a imperiosa necessidade. DANO MORAL. Os abalos ao psicológico, à moral, ao espírito e, de forma mais ampla, à dignidade da pessoa humana, em razão da falta de afetividade, não são indenizáveis por impossibilidade de aferição da culpa. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO.

APELAÇÃO CÍVEL

OITAVA CÂMARA CÍVEL

Nº 70050203751

COMARCA DE GRAVATAÍ

R.C.V.P.S.

..

APELANTE

J.F.S.

..

APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. RUI PORTANOVA (PRESIDENTE) E DES. RICARDO

MOREIRA LINS PASTL.

Porto Alegre, 22 de novembro de 2012.

DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ,

Relator.

RELATÓRIO

DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ (RELATOR)

Demanda. Trata-se de ação de indenização por abandono afetivo cumulada com pedido de alimentos proposta por RCVPS contra JFS.

Sentença. Julgou a ação improcedente – fls. 104/106.

Apelação. A autora arguiu preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, na medida em que não lhe foi oportunizada a realização de exame pericial e estudo social. Discorreu sobre seus problemas de saúde e sobre a rejeição paterna. Referiu a boa condição financeira do genitor, que nunca lhe ajudou. Assim, requereu a desconstituição da sentença e, subsidiariamente, a procedência da demanda, com a fixação de alimentos e indenização em seu favor – fls. 110/116.

Contrarrazões. Relatou que a apelante se casou e tem uma filha. Portanto, possui amparo familiar. Aduziu que sua genitora faleceu no ano de 1999. Ressaltou que a recorrente apenas comprovou episódios depressivos. Logo, não há falar em incapacidade para o trabalho. Referiu que já contribuiu com o sustento da apelante quando foi ajuizada a ação de investigação de paternidade, no valor e período definidos conforme acordo celebrado entre as partes. Alegou que também houve abandono afetivo da filha quando convalesceu em razão de doença neurológica, época em que sequer lhe visitou, mas ajuizou pedido de alimentos avoengos em favor da neta do recorrido. Noticiou que alcança R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) à parte adversa até hoje. Nesse sentido, requereu o desprovimento do apelo – fls. 119/124.

Ministério Público. Opinou pelo desprovimento do apelo – fls. 140/142.

Vieram os autos conclusos.

Observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTOS

DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ (RELATOR)

O recurso manejado merece ser conhecido, pois preenchidos os requisitos de admissibilidade.

As questões a serem resolvidas nesta apelação cível são as inconformidades da recorrente com o indeferimento das suas pretensões alimentar e indenizatória, baseadas no abandono afetivo do genitor.

Preliminarmente, afasto a arguição de cerceamento de defesa porquanto a prova pretendida – exame pericial e estudo social – não se mostra necessária. Afinal, inexiste a mínima prova da alegada incapacidade laborativa da apelante a justificar a investigação mais aprofundada da sua efetiva condição.

Passo ao exame de mérito.

Inicialmente, analiso o pedido de alimentos.

O dever de prestar alimentos está calcado na confirmada relação de parentesco.

Todavia, a postulante é pessoa maior de idade e capaz. Portanto, não possui necessidades presumidas, devendo fazer prova da sua incapacidade de prover o próprio sustento.

Nessa linha, compulsando os autos constato que não há qualquer documento que comprove a necessidade da autora, razão pela qual inexiste fundamento para se deferir o pedido de alimentos.

A propósito, peço vênia para transcrever trecho do parecer do Ministério Público, que bem reflete a minha posição sobre o caso vertente:

“(…)

A apelante é maior, capaz, hoje com 40 anos de idade, sem qualquer prova de incapacidade laborativa. E esta prova faltante nos autos e que a apelante afirmou que traria com a realização de exame pericial e estudo social é o grande cerne do litígio.

A apelante afirma ser dependente do medicamento Alprazolam, remédio para tratamento de depressão com diversos efeitos colaterais, os quais ela mesma elenca na exordial (fls. 3/5). Ocorre que é de conhecimento geral que antidepressivos causam diversos efeitos que devem sempre ser monitorados a fim de que o usuário não tenha suas atividades cotidianas prejudicadas. Caso tivéssemos falando de um quadro patológico de depressão, provavelmente, a apelante sequer teria vida social normal, podendo até estar internada para tratamento, o que não parece ser o caso. Assim, acredita-se que apenas o uso de medicamento antidepressivo não demonstra a impossibilidade ao trabalho.

Destaca-se, ainda, que com a paternidade do apelado reconhecida em 1995, este sempre lhe prestou auxílio financeiro. Ocorre que, passado o tempo, a apelante casou-se, teve uma filha, liberando o apelado do dever de auxílio. No entanto, após divorciar-se e se deparar com uma situação de necessidade junto da filha menor, vem imputar ao apelado a culpa pelas agruras que a vida lhe apresentou, pleiteando alimentos e indenização.

Entende esta signatária, que não há como imputar ao apelado a obrigação de arcar com as dificuldades cotidianas da apelante, condenando o apelado ao pagamento de indenização ou ainda de alimentos.

(..)”

Desse modo, nego provimento a este ponto do recurso.

Quanto ao alegado dano moral, melhor sorte não socorre à recorrente.

Os danos morais afirmados pela recorrente são postos como consequência dos atos e/ou omissões do recorrido.

O conceito de dano moral da forma mais ampla (1) com certeza serve para o enquadramento do sofrimento causado pelo pai ao filho, quando aquele pratica abandono afetivo, ou seja, a “dor de alma” imposta ao filho.

Entretanto, devemos lembrar que não estamos diante de hipótese de responsabilização objetiva, de sorte que é imprescindível a apuração da culpa do agente pelo evento danoso.

Nessa esteira, saliento que para o Direito das Famílias não são suficientes as definições legais da matéria, uma vez que somente é, ou seria, possível a aferição da culpa por negativa de afetividade, com análises psicológicas ou neurológicas do funcionamento cerebral humano.

De forma concisa, explico que não há uma comprovação de que o exercício da afetividade seja seguramente uma escolha humana, uma vez que não há como se comprovar nem com os argumentos colhidos no âmbito da Psicologia, tampouco com a ciência jurídica, que a afetividade possa ser exercida por vontade do ser humano.

Em poucas palavras, independentemente do viés do conhecimento utilizado para aferir a questão, impossível afirmar-se que o amor seja uma escolha.

Nesse contexto, não há meio de se julgar a culpa paterna pelo abandono ao filho.

Quanto a esse ponto, filio-me à corrente de entendimento de que mesmo os abalos ao psicológico, à moral, ao espírito e, de forma mais ampla, à dignidade da pessoa humana, em razão da falta de afetividade, não são indenizáveis por impossibilidade de aferição da culpa.

Ainda em relação ao dano moral, também não são indenizáveis quaisquer danos causados pela falta de reconhecimento da paternidade em registro civil das pessoas naturais, uma vez que não se pode presumir que o apelado soubesse da existência da filha.

Posteriormente à comprovação do vínculo biológico, observo que o recorrido passou a ajudar financeiramente a filha. Entretanto, como bem destacado pelo Des. André Luiz Plena Villarinho, “(…) não há norma legal ou jurisprudência que possa exigir que um pai, cuja paternidade foi declarada judicialmente, seja pai também emocionalmente, o que pressupõe, como dito, toda uma construção afetiva baseada no dia a dia, na convivência, não somente no liame biológico, principalmente quando, como no caso, a apelada foi obrigada a promover ação de investigação de paternidade contra o pai, certamente criando profundos ressentimentos em ambas as partes. Necessária muita determinação, paciência e empenho para este ‘encontro’, esta ‘descoberta’ entre pai e filha, que nem sempre as partes, ou uma das partes, está disposta a passar, porque envolve dor, sofrimento e revolver mágoas recíprocas”. (2)

Enfim, para a procedência da demanda, friso que teriam de ser comprovadas eventuais circunstâncias vexatórias ou humilhantes capazes de configurarem ato ilícito indenizável, e tal não ocorreu no caso concreto.

Pelo exposto, entendo que sob qualquer dos enfoques da demanda, não restou configurado dano moral indenizável.

Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao apelo.

DES. RICARDO MOREIRA LINS PASTL (REVISOR)

Acompanho o nobre Relator, consideradas as particularidades do caso em exame.

Embora entenda, em determinadas e excepcionais situações, e desde que preenchidos os requisitos legais, ser possível indenização no âmbito das relações familiares, o fato é que, na presente espécie, o desamparo afetivo e material que a insurgente sustenta ter experimentado não configura, com a devida vênia, ato ilícito passível de reparação no âmbito econômico-financeiro – e ainda que possa lhe ter acarretado sofrimento e mágoa.

Com efeito, prova nenhuma foi produzida a confortar a versão da apelante de que o recorrido foi omisso e de que nunca tentou manter estabelecer vínculo afetivo consigo (fl. 5), sendo significativo que o genitor, como bem consignou a douta Procuradoria de Justiça, “ao tomar conhecimento do resultado do exame, imediatamente sucumbiu ao pedido da apelante, incluindo seu nome no assento de nascimento dela e acordado no pagamento de alimentos” (fl. 141, verso).

Respeitosamente, não se pode ter que os episódios depressivos que enfrentou (fls. 20/21) são decorrentes dessa situação, sobretudo ante a possibilidade, bem apanhada pela magistrada singular, de que “o suposto abalo afetivo teria iniciado, pelo menos, após o falecimento da genitora da autora – em 19/04/1999, conforme certidão de óbito da fl. 39 –, ocasião em que esta, segundo narra inicial passou a ser dependente de medicamento (fl. 03). Nesse sentido, tem-se também os depoimentos das duas testemunhas arroladas pela requerente, ouvidas pelo sistema de gravação. TEREZINHA DA S. F. afirmou que após o falecimento da mãe, a demandante ficou muito mal, tendo passado por diversas dificuldades. No mesmo sentido foi o depoimento de MARINEI P., a qual aduziu que “desde que a mãe morreu ela ficou assim” (sic, fl. 104, verso).

Assim sendo, também mantenho incólume a sentença hostilizada.

DES. RUI PORTANOVA (PRESIDENTE)

De acordo com o(a) Relator(a).

DES. RUI PORTANOVA – Presidente – Apelação Cível nº 70050203751,

Comarca de Gravataí: “NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: DULCE ANA GOMES OPPITZ

(1) Código Civil Brasileiro, art. 186: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

(2) Apelação Cível Nº 70025923186, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 25/03/2009.

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 4 de dezembro de 2012, por Jomar Martins.

Leia o nosso post sobre a decisão do Superio Tribunal de Justiça que reconheceu o direito à indenização por dano moral em caso de abandono afetivo: clique aqui.