Conheça os enunciados de Direito de Família e Direito das Sucessões aprovados no VI Jornada de Direito Civil, realizada em 11 e 12 de março deste ano (2013), pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF):
ENUNCIADO 570 – O reconhecimento de filho havido em união estável fruto de técnica de reprodução assistida heteróloga “a patre” consentida expressamente pelo companheiro representa a formalização do vínculo jurídico de paternidade-filiação, cuja constituição se deu no momento do início da gravidez da companheira.
Artigos: 1.607 e 1.609 do Código Civil
Justificativa: O Código Civil de 2002, apesar de admitir a reprodução assistida heteróloga no casamento (art. 1597, V), não tratou expressamente da referida técnica no companheirismo.
Com base em pesquisa desenvolvida a respeito do tema e considerando a regra do art. 226, § 7º, da Constituição Federal, é de se afirmar que as técnicas conceptivas são admissíveis em favor dos companheiros. Como não há presunção de paternidade do companheiro em relação ao filho de sua companheira, ainda que ele manifeste consentimento prévio à técnica de reprodução assistida heteróloga, é preciso identificar o mecanismo de estabelecimento do vínculo paterno-filial.
Com base na integração das normas jurídicas acerca do tema, deve-se admitir que a manifestação volitiva do homem-companheiro quanto ao reconhecimento da paternidade não tem o condão de estabelecer vínculo, mas apenas de formalizá-lo (ou declará-lo) sem que haja falsidade ideológica em tal manifestação. Na realidade, a paternidade jurídica se constitui mediante ato complexo consistente na manifestação de vontade do companheiro, no sentido de autorizar a companheira a ter acesso a técnica de reprodução assistida heteróloga, e no início da gravidez em razão do êxito da técnica conceptiva.
A proposta do enunciado visa evidenciar os dois momentos distintos e, logicamente, as naturezas diversas das duas manifestações de vontade do companheiro: a) a primeira como integrante do ato formador do vínculo jurídico da paternidade; b) a segunda com caráter de formalização do vínculo, de conteúdo declaratório. Para que não haja dúvida a respeito da possibilidade de formalização do vínculo jurídico de paternidade-filiação, ainda que ocorra a morte do companheiro antes do nascimento do filho fruto de técnica de reprodução assistida heteróloga, houve mudança da redação da proposta original para a redação final aprovada.
ENUNCIADO 571 – Se comprovada a resolução prévia e judicial de todas as questões referentes aos filhos menores ou incapazes, o tabelião de notas poderá lavrar escrituras públicas de dissolução conjugal.
Artigos: 1.571 ao 1.582 do Código Civil, combinados com a Lei n. 11.441⁄2007
Justificativa: A Lei n. 11.441⁄2007 prevê que somente é permitido aos cônjuges fazer uso da escritura pública de separação judicial ou divórcio se não houver interesses de menores ou incapazes.
Entretanto, entendemos que, se os interesses dos menores ou incapazes forem atendidos ou resguardados em outro processo judicial, é permitido aos cônjuges dissolver o vínculo matrimonial, inclusive com a partilha de bens e o uso do nome, sem que afete o direito ou interesse dos menores ou incapazes.
A Lei n. 11.441⁄2007 é uma importante inovação legislativa porque representa novo paradigma, o da desjudicialização, para as hipóteses e cláusulas em que há acordo entre os cônjuges.
Se há acordo quanto ao divórcio e se os interesses dos menores estão resguardados em lide judicial específica, não há por que objetar o procedimento simples, rápido, desjudicializado, que desafoga o Judiciário e dá resposta mais rápida às questões eminentemente pessoais.
Ao Judiciário será requerido somente o que remanescer da lide, sem que haja acordo, como também aqueles que contenham direitos e interesses dos menores ou incapazes.
ENUNCIADO 572 – Mediante ordem judicial, é admissível, para a satisfação do crédito alimentar atual, o levantamento do saldo de conta vinculada ao FGTS.
Artigos: 1.695 e 1.701, parágrafo único, do Código Civil
Justificativa: O direito aos alimentos é um dos mais importantes de nosso sistema, pois serve para garantir existência digna, englobando a alimentação, o vestuário, o lazer, a educação, etc. Como se sabe, atualmente, a única hipótese de prisão civil decorre da dívida de natureza alimentar (art. 5ª, LXVII, CF).
Contudo, embora admitida a coerção pessoal, muitas vezes os alimentandos encontram dificuldades em receber o que lhes é de direito. Em algumas oportunidades, o próprio devedor resiste de boa-fé, por não possuir os recursos suficientes para adimplir a pensão.
Em tal contexto, uma alternativa viável seria a retirada dos valores depositados na conta vinculada ao FGTS para a satisfação do crédito. Muitos princípios poderiam ser invocados em prol dessa solução. Inicialmente, ambas as partes terão a sua dignidade reconhecida, pois o credor receberá a pensão, enquanto o devedor se livrará do risco de prisão civil. A menor onerosidade da medida é nítida.
A jurisprudência do STJ orienta-se pela admissão da orientação do enunciado: AgRg no RMS n. 34.708/SP, AgRg no RMS n. 35.010/SP e AgRg no RMS n. 34.440/SP. Há, igualmente, precedentes de tribunais estaduais sobre o tema: TJ/RS, AI n. 70046109757, 7. C. C., relator Jorge Dall’Agnol, DJe de 1º/12/2011.
Dessa forma, a aprovação de um enunciado no sentido proposto poderá colaborar para que os operadores de todo o Brasil tomem ciência dessa orientação, o que redundará, em última análise, na mais adequada proteção das pessoas.
ENUNCIADO 573 – Na apuração da possibilidade do alimentante, observar-se-ão os sinais exteriores de riqueza.
Artigo: 1.694, § 1º, do Código Civil
Justificativa: De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, o reconhecimento do direito a alimentos está intrinsicamente relacionado com a prova do binômio necessidade e capacidade, conforme expresso no § 1º do art. 1.694 do Código Civil. Assim, está claro que, para a efetividade da aplicação do dispositivo em questão, é exigida a prova não só da necessidade do alimentado, mas também da capacidade financeira do alimentante.
Contudo, diante das inúmeras estratégias existentes nos dias de hoje visando à blindagem patrimonial, torna-se cada vez mais difícil conferir efetividade ao art. 1.694, § 1º, pois muitas vezes é impossível a comprovação objetiva da capacidade financeira do alimentante.
Por essa razão, à mingua de prova específica dos rendimentos reais do alimentante, deve o magistrado, quando da fixação dos alimentos, valer-se dos sinais aparentes de riqueza.
Isso porque os sinais exteriorizados do modo de vida do alimentante denotam seu real poder aquisitivo, que é incompatível com a renda declarada.
Com efeito, visando conferir efetividade à regra do binômio necessidade e capacidade, sugere-se que os alimentos sejam fixados com base em sinais exteriores de riqueza, por presunção induzida da experiência do juízo, mediante a observação do que ordinariamente acontece, nos termos do que autoriza o art. 335 do Código de Processo Civil, que é também compatível com a regra do livre convencimento, positivada no art. 131 do mesmo diploma processual.
ENUNCIADO 574 – A decisão judicial de interdição deverá fixar os limites da curatela para todas as pessoas a ela sujeitas, sem distinção, a fim de resguardar os direitos fundamentais e a dignidade do interdito (art. 1.772).
Artigo: 1.772 do Código Civil
Justificativa: O CC/2002 restringiu a norma que determina a fixação dos limites da curatela para as pessoas referidas nos incisos III e IV do art. 1.767. É desarrazoado restringir a aplicação do art. 1.772 com base em critérios arbitrários. São diversos os transtornos mentais não contemplados no dispositivo que afetam parcialmente a capacidade e igualmente demandam tal proteção.
Se há apenas o comprometimento para a prática de certos atos, só relativamente a estes cabe interdição, independentemente da hipótese legal específica. Com apoio na prova dos autos, o juiz deverá estabelecer os limites da curatela, que poderão ou não ser os definidos no art. 1.782.
Sujeitar uma pessoa à interdição total quando é possível tutelá-la adequadamente pela interdição parcial é uma violência à sua dignidade e a seus direitos fundamentais. A curatela deve ser imposta no interesse do interdito, com efetiva demonstração de incapacidade. A designação de curador importa em intervenção direta na autonomia do curatelado.
Necessário individualizar diferentes estatutos de proteção, estabelecer a graduação da incapacidade. A interdição deve fixar a extensão da incapacidade, o regime de proteção, conforme averiguação casuística da aptidão para atos patrimoniais/extrapatrimoniais (PERLINGIERI, P. Perfis do Direito Civil. RJ: Renovar, 1997, p. 166; RODRIGUES, R. G. A pessoa e o ser humano no novo Código Civil. In: A Parte Geral do Novo Código Civil (Coord.: G. TEPEDINO), RJ: Renovar, 2002, p. 11-27; ABREU, C. B. Curatela & Interdição Civil. RJ: Lumen Juris, 2009, p. 180-220; FARIAS, C. C. de; ROSENVALD, N. Direito Civil/Teoria Geral. RJ: Lumen Juris, 2010, p. 252; TEIXEIRA, A. C. B. Deficiência psíquica e curatela: reflexões sob o viés da autonomia privada. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, v. 7, p. 64-79, 2009.
ENUNCIADO 575 – Concorrendo herdeiros de classes diversas, a renúncia de qualquer deles devolve sua parte aos que integram a mesma ordem dos chamados a suceder.
Artigo: 1.810 do Código Civil
Justificativa: Com o advento do Código Civil de 2002, a ordem de vocação hereditária passou a compreender herdeiros de classes diferentes na mesma ordem, em concorrência sucessória. Alguns dispositivos do Código Civil, entretanto, permaneceram inalterados em comparação com a legislação anterior. É o caso do art. 1.810, que prevê, na hipótese de renúncia, que a parte do herdeiro renunciante seja devolvida aos herdeiros da mesma classe. Em interpretação literal, v.g., concorrendo à sucessão cônjuge e filhos, em caso de renúncia de um dos filhos, sua parte seria redistribuída apenas aos filhos remanescentes, não ao cônjuge, que pertence a classe diversa. Tal interpretação, entretanto, não se coaduna com a melhor doutrina, visto que a distribuição do quinhão dos herdeiros legítimos (arts. 1.790, 1.832, 1.837) não comporta exceção, devendo ser mantida mesmo no caso de renúncia.