O fato de um casal ter sido alvo, em determinado momento, de ação de afastamento de convívio familiar por conta de tentativa de adoção à brasileira não significa que, posteriormente, ele esteja proibido de pleitear a guarda da criança em nova ação.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento a recurso especial para anular acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que, com base em ação de afastamento de convívio familiar, decretou a falta de interesse processual para o superveniente ajuizamento de ação de guarda por quem pretende reavê-la.
A 3ª Turma do STJ considerou que, por mais relevantes que sejam, os motivos que conduziram à procedência do pedido de afastamento do convívio familiar não fazem coisa julgada — como dispõe o inciso I do artigo 504 do Código de Processo Civil.
O casal em questão foi alvo de ação por parte do Ministério Público em 2016, quando o Judiciário determinou o acolhimento da criança em instituição por conta da ilegalidade das condutas: afirmação falsa sobre infertilidade, falsidade do registro civil realizado, fraude ao cadastro de adotantes e à ordem cronológica de inscrição.
Em 2018, o casal ajuizou ação de guarda com base em modificação de circunstâncias fáticas para tentar reaver a guarda da criança, que já se encontrava com quatro anos e com quem mantinha vínculos de socioafetividade.
O TJ-RJ manteve a decisão de extinção da ação por entender que o casal careceria de interessa processual, na modalidade utilidade, para rediscutir as mesmas questões que já haviam sido objeto de decisão na ação de afastamento.
Relatora, a ministra Nancy Andrighi afastou o entendimento ao destacar que a guarda, por suas características peculiares, é indiscutivelmente modificável a qualquer tempo. Um casal que em determinado momento reúna as condições para exercê-la talvez não mais as possua em momento futuro.
“A alternância e a volatividade, embora indesejáveis no âmbito da guarda que se pauta na constância e na segurança, são ínsitas à natureza humana e social, podendo ser causadas, inclusive, por circunstâncias fáticas alheias à vontade de quem a exercia”, apontou a relatora.
Assim, considerou inadequado que, diante de novo possível cenário, se oponha coisa julgada que se formou na ação de afastamento do convívio familiar, pois o casal tem o direito de ver as novas questões suscitadas examinadas em seu mérito na ação de guarda. Os motivos apontados na primeira ação devem ser objeto de profunda revisitação na nova impetração.
“Não se está aqui, é preciso registrar textualmente, sendo condescendente com a transgressão ao cadastro de adotantes e à ordem cronológica. Não se está aqui, sublinhe-se, romantizando uma ilegalidade”, destacou a ministra Nancy Andrighi.
“Ao revés, somente se está reafirmando que, nas ações que envolvem a filiação e a situação de menores, é imprescindível que haja o profundo, pormenorizado e casuístico exame dos fatos da causa, pois quando se julgam as pessoas, e não os fatos, normalmente há um prejudicial distanciamento daquele que deve ser o maior foco de todas as atenções: a criança”, concluiu.
Com a decisão, a ação de guarda deve ter processamento regular na primeira instância, com reunião e sentenciamento de todas as ações envolvendo a criança em questão ainda pendentes, além de preparação de estudos psicossociais e interdisciplinares pertinentes com os envolvidos.
REsp 1.878.043