TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Registro: 2019.0000154401
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2180108-63.2018.8.26.0000, da Comarca de Itápolis, em que é agravante MARISE PAPA, são agravados CLEMENTE PEREIRA VASQUES (ESPÓLIO) e CELSO VASQUES (INVENTARIANTE).
ACORDAM , em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MAIA DA CUNHA (Presidente sem voto), ALCIDES LEOPOLDO E MAURÍCIO CAMPOS DA SILVA VELHO.
São Paulo, 28 de fevereiro de 2019
NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA RELATOR
Agravo de Instrumento n.º 2.180.108-63.2018.8.26.0000
Agravante: XXXXXXX
Agravados: YYYYYYY (ESPÓLIO) E OUTROS
Comarca: ITÁPOLIS
Voto n.º 41.365
Inventário. Sucessão da companheira. Direito equiparado ao dos cônjuges. Aplicação do artigo 1.829, I, do Código Civil. ‘De cujus’ que deixou bens particulares. Concorrência da companheira com os descendentes reconhecida. Pretensa aplicação analógica do regime da separação obrigatória de bens. Inadmissibilidade. Norma restritiva não admite interpretação extensiva. Agravo provido.
1. Trata-se de agravo de instrumento interposto tempestivamente contra a r. decisão de pág. 21, que, em inventário, excluiu a convivente dos direitos sucessórios referentes ao imóvel e automóvel, por terem sido adquiridos antes do início da união estável. Alega a agravante que tem direito à herança com relação aos bens particulares do de cujus, tendo se reportado ao artigo 1.832 do Código Civil. Aduz que ficou reconhecida judicialmente a união havida entre as partes, no período compreendido entre 1996 até o óbito, ou seja, janeiro de 2011, insistindo que concorre com os demais herdeiros quanto aos bens particulares, fazendo menção ao artigo 1.829 do Código Civil. Em sequência transcreve entendimentos jurisprudenciais abrangendo a matéria, requerendo, afinal, o provimento do recurso, para que seja reconhecido o direito da agravante em concorrer com os descendentes do falecido, na quota parte correspondente a 1/4 da metade do bem imóvel e dos bens móveis adquiridos na constância da união estável, constituído pelo veículo VW/Passat, ano/modelo 1983. Apresentada contraminuta, sendo rebatida integralmente a pretensão do agravante, págs. 398/409. É o relatório.
2. A r. decisão agravada merece reforma.
Versam os autos sobre inventário dos bens deixados por Clemente Pereira Vasques, sendo reconhecida a união estável havida entre a agravante e o de cujus pelo período compreendido entre 1996 até a data do óbito, pág. 278, janeiro de 2011, ou seja, por quinze anos.
Cinge-se, a controvérsia, acerca do imóvel e automóvel deixados pelo falecido, adquiridos antes da convivência do de cujus com a agravante, tratando-se, pois, de bens particulares que integram a herança.
No que tange ao regime sucessório entre companheiros, o Supremo Tribunal Federal, nos Recursos Extraordinários n.º 878.694/MG e 646.721/RS, em regime de repercussão geral, firmou a seguinte tese:
“É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”. Desta maneira, em observância ao entendimento do STF, de rigor aplicar a equiparação do regime de sucessão do companheiro ao regime sucessório previsto para os cônjuges. Com efeito, a teor do artigo 1.829 do Código Civil, o cônjuge/companheiro sobrevivente concorre com os descendentes na sucessão do falecido apenas quanto aos bens particulares que este houver deixado.
Nesse contexto, considerando que o autor da herança deixou bens particulares, a companheira deverá concorrer com as descendentes do falecido quanto a referidos bens.
Este E. Tribunal, em casos análogos, assim se posicionou:
“Agravo de instrumento. Inventário. Sucessão da companheira. O e. STF firmou a tese de que se aplica à questão o art. 1.829 do CC, pois é inconstitucional a distinção prevista no art. 1790 do CC – O autor da herança deixou bem particular (o imóvel em questão) em que residia com a agravante, com quem convivia em união estável. Ela tem direito de sucessão e direito real de habitação, nos termos dos arts. 1829, I, e 1831 do CC. A contribuição dela na aquisição de certo veículo e nas reformas desse imóvel são questões que demandam instrução probatória e devem ser objeto de ação própria. Dá-se parcial provimento ao recurso.” (Agravo de Instrumento n.º 2.096.381-46.2017.8.26.0000, Relatora Desembargadora Mary Grün, 7ª Câmara de Direito Privado, J.: 11-12-2017)
“Agravo de instrumento. Inventário. Insurgência contra decisão que determinou que a agravada, na qualidade de convivente do de cujus, herdará 1/3 (um terço) do patrimônio por ele deixado independentemente da origem dos bens, ou seja, se anteriores ou adquiridos ao tempo da união estável. Concorrência entre companheira e descendentes. Possibilidade. Regime de comunhão parcial de bens. De cujus que deixou apenas bens particulares.
Incidência do art. 1.829, inciso I, do Código Civil. Decisão mantida. Recurso desprovido.” (Agravo de Instrumento n.º 2.101.618-27.2018.8.26.0000, Relator Desembargador José Roberto Furquim Cabella, 6ª Câmara de Direito Privado, J.: 14-06-2018).
Ressalte-se, por oportuno, que não se aplica à união estável o regime da separação obrigatória de bens, como pretendem os agravados, porque descabe a aplicação analógica de normas restritivas de direitos.
Ademais, importante observar que o artigo 258, parágrafo único, inciso II, do Código Civil/16 impunha o regime da separação de bens ao casamento do homem maior de 60 e da mulher maior de 50 anos, sendo tal norma posteriormente alterada pelo Código Civil/02, impondo tal restrição ‘à pessoa maior de 70 anos’, por reconhecer defasada e ultrapassada a antiga legislação.
Finalmente, no caso, o de cujus deixou bens particulares, de modo que a agravante, na qualidade de companheira, concorre com os descendentes, ora agravados.
3. Com base em tais fundamentos, dá-se provimento ao agravo de instrumento.
NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA
RELATOR