Os alimentos compensatórios são, segundo Carlos Roberto Gonçalves, aqueles que “visam evitar o descomunal desequilíbrio econômico-financeiro do consorte dependente, por ocasião da ruptura do vínculo conjugal, pelo fato de as empresas do casal permanecerem na administração exclusiva do outro cônjuge, desequilíbrio este impossível de ser afastado com modestas pensões mensais. De cunho mais indenizatório do que alimentar, não devem ter duração ilimitada no tempo. Uma vez desfeitas as desvantagens sociais e reparado o desequilíbrio financeiro provocado pela ruptura da união conjugal, devem cessar”.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já decidiu, na Apelação Cível nº 70026541623, que “cabe a fixação de alimentos compensatórios, em valor fixo, decorrente da administração exclusiva por um dos cônjuges das empresas do casal. Caso em que os alimentos podem ser compensados, dependendo da decisão da ação de partilha dos bens, bem como não ensejam possibilidade de execução pessoal sob o rito de prisão”.
Pela sua importância didática, trancrevemos o acórdão proferido pelo TJRS na referida apelação cível:
APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO. SEPARAÇÃO. ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS. CABIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
Cabe a fixação de alimentos compensatórios, em valor fixo, decorrente da administração exclusiva por um dos cônjuges das empresas do casal. Caso em que os alimentos podem ser compensados, dependendo da decisão da ação de partilha de bens, bem como não ensejam possibilidade de execução pessoal sob o rito de prisão.
O deferimento dos alimentos não implica na conclusão de que as cotas sociais das empresas do casal devem ser repartidas em 50% para cada cônjuge. Matéria essa que deverá ser julgada de forma autônoma na ação de partilha de bens.
Considerando que o valor dos honorários advocatícios está abaixo da complexidade da demanda, devem ser majorados os honorários.
DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO.
Apelação Cível | Oitava Câmara Cível |
Nº 70026541623 | Comarca de Porto Alegre |
W.D.P… | APELANTE/RECORRIDO ADESIVO |
C.B.P… | RECORRENTE ADESIVO/APELADO |
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento à apelação e provimento ao recurso adesivo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Claudir Fidélis Faccenda e Des. Alzir Felippe Schmitz.
Porto Alegre, 04 de junho de 2009.
DES. RUI PORTANOVA,
Relator.
portanova@tj.rs.gov.br
RELATÓRIO
Des. Rui Portanova (RELATOR)
Ação de alimentos ajuizada por CRISTIANE em face de WALDEMAR. Alegou que o requerido está na administração das empresas do casal e pediu alimentos no valor de R$ 10.000,00.
A sentença julgou procedente o pedido. Para tanto, reconheceu que o regime de bens do casal deve se sobrepor aos percentuais societários que cada cônjuge possui nas empresas, devendo o requerido repassar à autora 50% dos rendimentos das empresas.
Contra essa decisão, WALDEMAR interpôs apelação e CRISTIANE recurso adesivo.
Em sua apelação, WALDEMAR, em síntese, requer a reforma da sentença para que seja respeitado os percentuais que cada litigante possui sobre as cotas das empresas.
No recurso adesivo, CRISTIANE requer seja estimado um valor fixo a título de alimentos compensatórios. Alega que as empresas estão sob administração exclusiva do requerido, motivo pelo qual os percentuais dos rendimentos acabam sendo calculados sobre valores informados unilateralmente pelo varão.
Ambos os recursos foram contrarrazoados.
Nesse grau de jurisdição, o Ministério Público lançou parecer pelo não provimento da apelação e provimento do recurso adesivo da mulher para que seja fixado o valor de R$ 6.000,00 até a partilha dos bens do casal.
Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.
É o relatório.
VOTOS
Des. Rui Portanova (RELATOR)
O caso.
Estamos aqui na ação de alimentos ajuizada por CRISTIANE em face de WALDEMAR.
Pediu a autora alimentos no valor de R$ 10.000,00, ou alternativamente a metade da renda líquida auferida nas sociedades do casal, quais sejam:
- CLÍNICA POLIDO LTDA. e
- ECO – EDUCAÇÃO CONTINUADA EM ODONTOLOGIA LTDA.
Ambas as partes são os únicos sócios dessas empresas.
WALDEMAR é detentor de 90% do capital social, nas duas empresas.
E CRISTIANE é titular dos outros 10%.
Pelo que se vê da audiência de conciliação de fl. 139, a autora emendou a inicial para “renunciar o pedido de alimentos, mantendo apenas o de recebimento da renda líquida das empresas de propriedade do casal, sob o argumento de que a administração das mesmas é exclusiva do varão”.
A sentença por sua vez, atenta à renúncia ao pedido de alimentos, assim fundamentou (fl. 208):
“A autora renunciou aos alimentos sendo que o pedido alternativo – receber metade da renda líquida das empresas – não contém natureza alimentar, pois se refere ao direito de receber pro-labore e eventual distribuição dos lucros nas empresas em que possui sociedade com o ex-cônjuge, matéria de direito comercial e não de direito familiar.
(…)
Sendo assim, em razão de o requerido estar administrando as empresas e estar depositando mensalmente, ainda que a menor, os valores que entendeu ter direito a autora, nesta ação limitar-se-á a determinar a manutenção desses pagamentos, sem prejuízo de posterior compensação acaso apurada incorreção.
Todavia, como já dito, o regime de bens prevalece sobre a divisão societária estabelecida entre os cônjuges. Assim, desimporta o fato de o réu deter capital social superior ao da autora, pois para fins de distribuição de lucros e outros dividendos, a autora faz jus à metade dos valores, já que ambas as sociedades estão registradas em nome do casal.
Destarte, o requerido deverá depositar os valores devidos à autora, no percentual correspondente à metade das quotas sociais.”
A partir desse entendimento, o julgador originário julgou procedente o pedido remanescente – recebimento da renda líquida das empresas – para determinar que o requerido repassasse metade dos rendimentos das empresas à autora, independente do capital social de cada cônjuge.
Contra essa sentença, ambos os cônjuges recorrem.
Em sua apelação, WALDEMAR refere que a autora não está mais trabalhando nas empresas, motivo pelo qual não vem repassando seu pro-labore. Limita-se o apelante a repassar apenas o percentual sobre o lucro líquido a que CRISTIANE tem direito no capital social. Requer a reforma da sentença para que seja respeitado os percentuais correspondentes à participação societária da autora nas empresas.
Por outro lado, no recurso adesivo, CRISTIANE argumenta a necessidade de ser arbitrado um valor fixo, condizente com a metade dos rendimentos líquidos das empresas. Aduz que, considerando que o varão está na administração das empresas, é o requerido quem projeta e apura unilateralmente tais valores. Requer a fixação provisória de um valor judicialmente arbitrado até a ultimação da partilha societária.
Os recursos.
Apelação e recurso adesivo possuem o mesmo objeto, qual seja: a adequação e correção do repasse dos rendimentos das empresas do casal à autora CRISTIANE a título de alimentos.
Por isso, a análise dos recursos será conjunta.
Inicialmente, é necessário registrar que a presente ação de alimentos não tem por fundamento a necessidade da autora.
Tanto é assim que ela renunciou ao pedido de alimentos e manteve somente o pedido alternativo de participação na divisão dos dividendos das empresas do casal.
A sentença, por sua vez, reconheceu que o tema é mais afeto ao direito da empresa que propriamente no que diz com o instituto dos alimentos.
Só por aí, é possível ter-se dúvida sobre a viabilidade de determinar o repasse de 50% dos rendimentos das empresas, com base na “prevalência do regime de bens sobre o que está estipulado nos contratos sociais das empresas”, tal qual posto na sentença.
Assim agindo, o Judiciário, de forma indireta, corre o risco de determinar indiretamente a partilha de cotas sociais, as quais formalmente não são de titularidade da autora CRISTIANE.
Por isso, desde logo, é de rigor estabelecer que a partilha de bens deverá ter julgamento totalmente independente da decisão desta ação de alimentos.
Consequentemente, o apelo de WALDEMAR já vai provido parcialmente para dizer que o regime de bens não prevalece sobre as disposições dos contratos sociais das empresas do casal. Não sendo lícito concluir, a partir do julgamento desta ação de alimentos, que as cotas empresariais deverão ser partilhados metade à metade.
Até poderá ser esse o resultado do julgamento da partilha, mas isso a partir dos elementos de convicção produzidos na ação de partilha de bens, a qual tramita no primeiro grau, sob o número 1.08.0080899-5, ainda pendente de julgamento.
Dito isso, cabe mais uma vez registrar que não estamos aqui tratando de alimentos necessários à sobrevivência da autora. Ou seja, os alimentos desta ação têm natureza indenizatória/compensatória em razão de o varão estar na administração exclusiva das empresas do casal, acarretando a diminuição do padrão de vida vivenciado pela mulher durante o enlace.
Logo, não se trata de alimentos passíveis de prisão civil. Da mesma forma, os alimentos aqui podem ser compensados, caso provado que estejam acima ou abaixo da adequada participação da mulher nas empresas do casal.
Isso porque CRISTIANE, assim como seu ex-marido WALDEMAR, é cirurgiã dentista e pessoa apta ao trabalho (possui 35 anos de idade – fl. 04 do apenso), tanto que é sócia de uma terceira empresa do ramo de vestuário, juntamente com Renata V. B. (fl. 51).
À similitude:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS INDENIZATÓRIOS. RITO DE PRISÃO. IMPOSSIBILIDADE. O inadimplemento de alimentos indenizatórios, fixados apenas e tão somente pela administração exclusiva por um dos cônjuges do patrimônio que é comum, não abre à parte credora a possibilidade de execução pessoal sob o rito de prisão. NEGADO SEGUIMENTO. EM MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento Nº 70020530044, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 11/07/2007)
Pelo que se vê dos documentos de fls. 63/124, o casal tinha alta movimentação financeira e alto padrão de vida (vide o padrão do apartamento do casal, dos veículos e fotos das viagens internacionais feitas pelo casal).
E é considerando essa circunstância que entendo viável o deferimento de alimentos compensatório/indenizatórios em favor de CRISTIANE, estes entendidos como aqueles que levam em conta menos as “necessidades” da parte e mais “as condições sociais” que a parte vivia quando da união (artigo 1.694 do Código Civil).
É que não se pode perder de vista que, efetivamente, é o apelante WALDEMAR quem administra a clínica de odontologia do casal e a escola de odontologia: Clínica Polido Ltda. e ECO – Educação Continuada em Odontologia Ltda.
Por outro lado, aqui nestes autos há pouca informação sobre a movimentação financeira das empresas.
As únicas informações que aqui se tem são os valores mensais apurados unilateralmente por WALDEMAR, conforme documento de fls. 197/199 (créditos mensais de R$ 2.379,23, R$ 177,17 e R$ 1.357,82).
E na mesma linha do que disse o Ministério Público à fl. 278 esses valores, “por certo, não se prestam para dimensionar o real rendimento das empresas”.
Logo, considerando que a autora está afastada das empresas da família, bem como a projetável queda do padrão econômico, após a separação, realmente, é necessário o arbitramento de alimentos em valor fixo até que se ultime a partilha dos bens que ainda corre no primeiro grau.
Necessidade essa também identificada pelo Ministério Público nesse grau de jurisdição (fl. 278):
“No caso, verifica-se que os rendimentos do casal e o alto padrão de vida mantidos por eles, conforme documentos carreados às fls. 63/124, advêm da atividade profissional desempenhada por ambos nas citadas empresas, em razão dos créditos oriundos de pró-labore e distribuição de lucros. De registrar também que tais créditos permitiram ao ora apelante propor o pagamento mensal a título de alimentos aos seus dois filhos menores (termo de audiência da Ação de Oferta de Alimentos – fl. 23), no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), para cada um deles.
Assim, diante da ausência de elementos nos autos que permitam aferir, com precisão, os valores auferidos nas empresas de propriedade do casal, tenho que os alimentos, fixados somente, repito, em razão de estar o varão na administração das empresas, devem sê-lo não no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), conforme postulado pela recorrente em suas razões recursais, mas no montante de R$ 6.000,00 (seis mil reais). Isso porque o varão não está somente na administração exclusiva das “empresas” que pertencem ao casal. Mas, no caso, tais empresas, uma delas, uma clínica de odontologia e a outra, de “educação continuada”, na mesma área (ECO), eram os locais de trabalho da recorrente que, como o apelante, também é dentista. Ou seja, a separação, aqui, afastou Cristiane dos estabelecimentos em que clinicava, obrigando-a, para retornar às suas atividades, a remontar toda uma estrutura, o que, seguramente, só poderá fazer, de fato, após a ultimação da partilha. Assim, até que isso ocorra, deve perceber, a título de pensão, valor compatível com o que contava anteriormente à separação, não se podendo admitir situação diversa. Até porque, como a obrigação de alimentar os filhos é de ambos os genitores, parte dos valores pagos pelo varão a título de alimentos compensatórios à recorrente, também serão destinados os filhos menores, para que esses possam ser mantidos no mesmo padrão de vida que possuíam.”
Faço apenas um mínimo ajuste em relação à sugestão ministerial no tocante ao valor dos alimentos.
Em que pese a possibilidade de o valor de alimentos a ser recebido pela mulher, realmente, também ser aplicado no sustento dos filhos, não perco de vista que o varão já está responsável, em grande parte, pelas despesas dos filhos.
Nesse sentido, a ata da audiência de conciliação na ação de oferta de alimentos do genitor (fl. 23): “O pai prestará alimentos aos filhos pagando diretamente os custos da escola (Colégio Farroupilha), material escolar, aulas de inglês, ballet, patinação, Plano de Saúde junto ao Bradesco (ou outro equivalente) pagamento de babá e condomínio, esta última despesa até que seja feita a partilha do imóvel em questão. O pai pagará ainda o valor mensal de R$ 3.000,00 (três mil reais), corrigidos pelo IGPM/anual, para pagamento até dia 10 de cada mês.”
Logo, o recurso adesivo vai provido para fixar um valor de R$ 5.000,00 mensais a ser repassado por WALDEMAR para CRISTIANE a título de alimentos compensatórios pelo fato de o varão estar na administração exclusiva das empresas do casal.
Fica mantida a determinação de eventual correção (compensação) caso, na ação de partilha de bens, seja verificado que tal valor é menor ou maior do que a participação societária a ser recebida pela mulher.
Honorários advocatícios.
Em seu recurso adesivo, a autora pede ainda a majoração dos honorários de sucumbência, os quais foram fixados em R$ 1.000,00.
De fato, o valor dos honorários, considerando a complexidade da demanda e o trabalho desenvolvido, não remunera adequadamente o trabalho desenvolvido pelo patrono da autora.
Por isso, vai também provido o recurso adesivo para majorar os honorários de sucumbência para R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).
ANTE O EXPOSTO:
- Dou parcial provimento à apelação de WALDEMAR para declarar que o regime de bens do casal não se sobrepõe ao estipulado nos contratos sociais das empresas, devendo a ação de partilha de bens ter julgamento totalmente autônomo em relação a esta ação de alimentos e
- Dou provimento ao recurso adesivo de CRISTIANE para:
– fixar o valor certo de alimentos compensatórios no montante de R$ 5.000,00 mensais, até o trânsito em julgado da partilha de bens e
– majorar os honorários advocatícios para R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).
Des. Claudir Fidélis Faccenda (REVISOR) – De acordo.
Des. Alzir Felippe Schmitz – De acordo.
DES. RUI PORTANOVA – Presidente – Apelação Cível nº 70026541623, Comarca de Porto Alegre: “DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO. UNÂNIME.”
Julgador(a) de 1º Grau: CAIRO ROBERTO RODRIGUES MADRUGA