STJ julga pedido de dano moral em caso de infidelidade da esposa que teve filho com o amante, ocultando o fato do marido (Informativo nº 522)

Eis o resumo da decisão publicada no Informativo de Jurisprudência nº 522, do Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO CÚMPLICE DE RELACIONAMENTO EXTRACONJUGAL NO CASO DE OCULTAÇÃO DE PATERNIDADE BIOLÓGICA.

 O “cúmplice” em relacionamento extraconjugal não tem o dever de reparar por danos morais o marido traído na hipótese em que a adúltera tenha ocultado deste o fato de que a criança nascida durante o matrimônio e criada pelo casal seria filha biológica sua e do seu “cúmplice”, e não do seu esposo, que, até a revelação do fato, pensava ser o pai biológico da criança. Isso porque, em que pese o alto grau de reprovabilidade da conduta daquele que se envolve com pessoa casada, o “cúmplice” da esposa infiel não é solidariamente responsável quanto a eventual indenização ao marido traído, pois esse fato não constitui ilícito civil ou penal, diante da falta de contrato ou lei obrigando terceiro estranho à relação conjugal a zelar pela incolumidade do casamento alheio ou a revelar a quem quer que seja a existência de relação extraconjugal firmada com sua amante. REsp 922.462-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 4/4/2013.

DIREITO CIVIL. ALIMENTOS NA HIPÓTESE DE FORMAÇÃO DE VÍNCULO SOCIOAFETIVO.

A esposa infiel não tem o dever de restituir ao marido traído os alimentos pagos por ele em favor de filho criado com estreitos laços de afeto pelo casal, ainda que a adúltera tenha ocultado do marido o fato de que a referida criança seria filha biológica sua e de seu “cúmplice”. Isso porque, se o marido, ainda que enganado por sua esposa, cria como seu o filho biológico de outrem, tem-se por configurada verdadeira relação de paternidade socioafetiva, a qual, por si mesma, impede a repetição da verba alimentar, haja vista que, a fim de preservar o elo da afetividade, deve-se considerar secundária a verdade biológica, porquanto a CF e o próprio CC garantem a igualdade absoluta dos filhos de qualquer origem (biológica ou não biológica). Além do mais, o dever de fidelidade recíproca dos cônjuges, atributo básico do casamento, em nada se comunica com a relação paternal gerada, mostrando-se desarrazoado transferir o ônus por suposto insucesso da relação à criança alimentada. Ademais, o STJ já firmou o entendimento de que a mulher não está obrigada a restituir ao marido o valor dos alimentos pagos por ele em favor da criança que, depois se soube, era filha de outro homem (REsp 412.684-SP, Quarta Turma, DJ 25/11/2002). De mais a mais, quaisquer valores que sejam porventura apurados em favor do alimentante estarão cobertos pelo princípio da irrepetibilidade dos alimentos já pagos, justificado pelo dever de solidariedade entre os seres humanos, uma vez que, em última análise, os alimentos garantem a própria existência do alimentando. REsp 922.462-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 4/4/2013.


DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS PELA OCULTAÇÃO DA VERDADE QUANTO À PATERNIDADE BIOLÓGICA.

A esposa infiel tem o dever de reparar por danos morais o marido traído na hipótese em que tenha ocultado dele, até alguns anos após a separação, o fato de que criança nascida durante o matrimônio e criada como filha biológica do casal seria, na verdade, filha sua e de seu “cúmplice”. De fato, a violação dos deveres impostos por lei tanto no casamento (art. 1.566 do CC/2002) como na união estável (art. 1.724 do CC/2002) não constitui, por si só, ofensa à honra e à dignidade do consorte, apta a ensejar a obrigação de indenizar. Nesse contexto, perde importância, inclusive, a identificação do culpado pelo fim da relação afetiva, porquanto deixar de amar o cônjuge ou companheiro é circunstância de cunho estritamente pessoal, não configurando o desamor, por si só, um ato ilícito (arts 186 e 927 do CC/2002) que enseje indenização. Todavia, não é possível ignorar que a vida em comum impõe restrições que devem ser observadas, entre as quais se destaca o dever de fidelidade nas relações conjugais (art. 231, I, do CC/1916 e art. 1.566, I, do CC/2002), o qual pode, efetivamente, acarretar danos morais. Isso porque o dever de fidelidade é um atributo de quem cumpre aquilo a que se obriga, condição imprescindível para a boa harmonia e estabilidade da vida conjugal. Ademais, a imposição desse dever é tão significativa que o CP já considerou o adultério como crime. Além disso, representa quebra do dever de confiança a descoberta, pelo esposo traído, de que a criança nascida durante o matrimônio e criada por ele não seria sua filha biológica. O STF, aliás, já sinalizou acerca do direito constitucional à felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana (RE 477.554 AgR-MG, Segunda Turma, DJe 26/8/2011). Sendo assim, a lesão à dignidade humana desafia reparação (arts. 1º, III, e 5º, V e X, da CF), sendo justamente nas relações familiares que se impõe a necessidade de sua proteção, já que a família é o centro de preservação da pessoa e base mestra da sociedade (art. 226 CF). Dessa forma, o abalo emocional gerado pela traição da então esposa, ainda com a cientificação de não ser o genitor de criança gerada durante a relação matrimonial, representa efetivo dano moral, o que impõe o dever de reparação dos danos acarretados ao lesado a fim de restabelecer o equilíbrio pessoal e social buscado pelo direito, à luz do conhecido ditame neminem laedere. Assim, é devida a indenização por danos morais, que, na hipótese, manifesta-se in re ipsa. REsp 922.462-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 4/4/2013.

Confira o acórdão, na íntegra:

 

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 922.462 – SP (2007⁄0030162-4)

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

RECORRENTE : A L A P

ADVOGADO : PAULO CARVALHO CAIUBY E OUTRO(S)

RECORRENTE : L A S

ADVOGADO : PIERRE MOREAU E OUTRO(S)

ADVOGADOS : ANA PAULA ORIOLA MARTINS

VIVIANE BALBINO E OUTRO(S)

RODRIGO SETARO

PIERRE MOREAU E OUTRO(S)

RECORRENTE : F G B

ADVOGADO : JOSÉ LUIZ ARAÚJO SILVA E OUTRO(S)

RECORRIDO : OS MESMOS

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALIMENTOS. IRREPETIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE FIDELIDADE. OMISSÃO SOBRE A VERDADEIRA PATERNIDADE BIOLÓGICA DE FILHO NASCIDO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. DOR MORAL CONFIGURADA. REDUÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO.

1. Os alimentos pagos a menor para prover as condições de sua subsistência são irrepetíveis.

2. O elo de afetividade determinante para a assunção voluntária da paternidade presumidamente legítima pelo nascimento de criança na constância do casamento não invalida a relação construída com o pai socioafetivo ao longo do período de convivência.

3. O dever de fidelidade recíproca dos cônjuges é atributo básico do casamento e não se estende ao cúmplice de traição a quem não pode ser imputado o fracasso da sociedade conjugal por falta de previsão legal.

4. O cônjuge que deliberadamente omite a verdadeira paternidade biológica do filho gerado na constância do casamento viola o dever de boa-fé, ferindo a dignidade do companheiro (honra subjetiva) induzido a erro acerca de relevantíssimo aspecto da vida que é o exercício da paternidade, verdadeiro projeto de vida.

5. A família é o centro de preservação da pessoa e base mestra da sociedade (art. 226 CF⁄88) devendo-se preservar no seu âmago a intimidade, a reputação e a autoestima dos seus membros.

6. Impõe-se a redução do valor fixado a título de danos morais por representar solução coerente com o sistema.

7. Recurso especial do autor desprovido; recurso especial da primeira corré parcialmente provido e do segundo corréu provido para julgar improcedente o pedido de sua condenação, arcando o autor, neste caso, com as despesas processuais e honorários advocatícios.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial da parte F G B, dar parcial provimento ao recurso especial da parte A L A P e dar provimento ao recurso especial da parte L A S, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 04 de abril de 2013(Data do Julgamento)

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 922.462 – SP (2007⁄0030162-4)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recursos especiais, fundamentados no artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal, interpostos contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado:

“DOCUMENTOS – JUNTADA ALEGADAMENTE INTEMPESTIVA – REQUERIMENTO DE DESENTRANHAMENTO – INDEFERIMENTO – PRESERVAÇÃO NO UNIVERSO PROBATÓRIO – POSSIBILIDADE – TENDO-SE EM CONTA O DISPOSTO NO ART. 130 DO CPC, É FACULTADO AO JUIZ CONSIDERAR NECESSÁRIOS À FORMAÇÃO DE SEU CONVENCIMENTO DOCUMENTOS JUNTADOS EXTEMPORANEAMENTE, NEGANDO, POIS, SEU DESENTRANHAMENTO.

DANO MORAL – INDENIZAÇÃO ÉTICA E JURIDICAMENTE JUSTIFICADA POR VINCULAR-SE À PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À HONRA – IMPOSSIBILIDADE, POR CONSEGUINTE, DE QUANTIFICAÇÃO SIMBÓLICA OU INEXPRESSIVA.

SEPARAÇÃO CONSENSUAL – SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA – PRETENDIDA DESCONSTITUIÇÃO COM FUNDAMENTO NA ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO – AÇÃO RESCISÓRIA COMO ÚNICO INSTRUMENTO DESSE OBJETIVO” (e-STJ fl. 991).

Noticiam os autos que foi ajuizada ação de reparação de danos materiais e morais em virtude de prejuízos sofridos pela conduta dos réus. O autor alega que em 11 de abril de 1985 casou-se com a ré e em 6 de abril de 1988, na constância do casamento, nasceu C. A. B., registrado como filho do casal. Em 8 de dezembro de 1989, o casal separou-se consensualmente, firmando acordo que previa a guarda materna do filho, a fixação de alimentos à criança e à mulher, que continuaria a utilizar o patronímico do autor. O pai foi residir na Áustria, país para o qual foi transferido por seu empregador, enquanto mãe e filho passaram a viver em São Paulo.

Consta da inicial que:

“(…) desde o nascimento do menino e muito especialmente após sua separação da ré, o autor desenvolveu por (…) intenso sentimento amoroso, que floresceu da forma mais natural e espontânea possível: o sonho da paternidade se tornava realidade (…) A fim de vivenciar em toda extensão a extraordinária experiência afetiva que o primeiro filho sabidamente proporciona ao pai, o autor não poupou esforços para, sempre que possível e com bastante frequência, vir da Europa ao Brasil avistar-se com (…), ou, ainda, quando não poderia ausentar-se de seu emprego, providenciar para que a criança, cercada de cuidados, viajasse à Europa para encontrá-lo. Nas estadas do filho em Viena, (…), a par de tratá-lo como o maior desvelo, buscava entrosá-lo com os avós paternos, que ali residem, o que em muito reforçou o afeto filiar e avoengo.

Consciente do enorme afeto que o autor dedicava a (…), a mãe, (…), aparentava respeitar e estimar seu ex-marido, com ele discutindo o futuro do menino e dividindo as preocupações e alegrias próprias dos pais, em perfeita harmonia.

O pequeno (…), por sua vez, sempre retribuiu os sentimentos de (…): para o menino este era o homem que, mercê de sua afeição, respeito, presença constante e equilíbrio emocional, lhe proporcionava amor e segurança” (e-STJ fls. 38-39 – grifou-se).

Em 1994, o autor foi comunicado que não era pai biológico da criança, fruto de relação adulterina de sua ex-mulher com o segundo réu, conforme demonstrado em exame pericial hematológico (DNA) juntado em ação que teve curso na 1ª Vara da Família e das Sucessões do foro regional de Pinheiros (Processo nº 568⁄95). Por esse motivo pretendeu, com o ajuizamento da ação, obter ressarcimento dos danos materiais correspondentes aos pagamentos feitos por erro ao então filho e à ex-mulher (despesas de viagens; gastos com moradia; caução de contrato locatício e aquisição de dois automóveis), até então economicamente auxiliados pelo autor, bem como dos danos morais sob a alegação de ter ficado “amargurado pela torpeza da mulher e do suposto amigo; humilhado em seu círculo social; arrasado diante de seus próprios pais – de uma hora a outra privados do neto – o autor, cruel e injustamente ferido, um dia dormiu pai, para no seguinte acordar agoniado pela dor sem fim da perda do filho” (e-STJ 41 – grifou-se).

O autor requereu a condenação solidária da ex-mulher e do pai biológico da criança ao pagamento de danos materiais em decorrência dos supostos ilícitos, perfazendo a quantia de valor de R$ 134.822,00 (cento e trinta e quatro mil e oitocentos e vinte e dois reais), bem como de danos morais decorrentes da quebra de confiança e de amizade que geraram trágicas consequências psicológicas sofridas pelo autor, quantia a ser arbitrada em juízo (e-STJ fl. 42).

O juízo sentenciante julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os réus apenas ao pagamento de danos morais, afastando o pedido de ressarcimento material, conforme a seguinte fundamentação:

“(…) Razão assiste aos requeridos no que toca aos alegados danos materiais. Em 08 de dezembro de 1989 o autor e a co-ré solicitaram ao Juízo da lª Vara da Família e Sucessões deste Foro a homologação de acordo para a sua separação consensual. Observa-se na petição juntada às fls. 19⁄24 a expressa concordância dos cônjuges quanto aos pressupostos do art. 1.121 do Código de Processo Civil. Destacam-se, pelas minúcias das cláusulas, as verbas cujo reembolso é pedido nestes autos. A r. sentença homologatória de fls. 25 transitou em julgado e até o momento não foi desconstituída pela via correta. Para que não haja desprestígio às decisões judiciais, tudo o que foi estabelecido pelas partes e acolhido por magistrado competente para apreciar aquele pedido subsiste. Até que surja decisão de órgão jurisdicional com poder modificador, válidas e obrigatórias as disposições patrimoniais estabelecidas pelos cônjuges.

Óbvio, contudo, que a partir da anulação do assento de nascimento de (…) (fls. 40⁄47) operou-se nova situação jurídica, desligando o autor – na qualidade de pai legítimo do dever de prover a subsistência do presumido filho. Anote-se, porém, que os reflexos da anulação em foco incidem exclusivamente sobre o dever alimentar decorrente da filiação e não retroagem ao ponto de retirar a eficácia e a obrigatoriedade das condições até então cumpridas pelo casal.

Inexistiu pagamento indevido e, por conseguinte, não há que se cogitar em repetição do indébito.

Ainda que admitido o pedido de restituição dos alimentos, a competência para o julgamento seria do juízo que estatuiu a pensão (…).

Incontroverso que os réus se relacionaram sexualmente durante o casamento do autor e co-ré. Do contato sexual entre ambos resultou o nascimento de (…), indiscutivelmente (v. os exames hematológicos juntados) – filho natural de (…) e (…). O adultério em evidência também configura transgressão ao Direito das Obrigações cujas penalidades independem das sanções previstas no Direito Penal e de Família. (…) Inegável que ‘a opinião pública considera desonrado o marido pela infidelidade da mulher, ridiculariza-o, designa-o com termos e comparações obscenos’. Para alguns estudiosos, ainda, ‘o adultério da mulher é cenário de depravação maior, e que produz consequências mais danosas, porque pode introduzir, na família, filhos estranhos’ (Revista Juriscível do STF, Vol. 29, DAVIDIP, p. LX⁄LXV).

Sem deixar de lado o inadimplemento do dever legal e contratual de fidelidade materializado pelo adultério da requerida com o co-réu, convém demonstrar que o comportamento do autor durante o matrimônio não arreda o direito de ser indenizado. Indiferença, frieza, estímulos para que saísse sem a sua companhia e as tentativas de manter relações sexuais heterodoxas com a esposa são insignificantes se comparados à triste surpresa da descoberta das traições da esposa e do amigo. (…)

Os autos carecem de prova de que o autor tenha influído de modo determinante para o adultério. Não há prova, também, de que tenha violado o dever de fidelidade e – o que fizeram os réus – gerado filho fora do casamento ou de uma união estável.

O autor mora em outro país, constituiu nova família e não demonstrou ter sido um marido exemplar e dedicado, fatores que não excluem os danos morais por ele sofridos, embora possam influir na quantificação do dano.

A exposição pública das suspeitas sobre a paternidade de (…) não impediu que o autor sofresse lesões psíquicas negativas. (…) Sem embargo dos contundentes argumentos dos requeridos ao apontar a conduta de (…) como determinante do ato ilícito que praticaram, impossível descaracterizar a infração civil com os dados concretos de convicção colhidos nestes autos.

Apatia, falta de disposição para acompanhar a mulher, preferência por outras formas de entretenimento, individualismo e fleuma não legitimam o adultério, nem aniquilam as lesões psíquicas enfrentadas pelo autor.(…)

O autor deixou o Brasil pouco tempo depois da separação consensual e, portanto, não se sujeitou mais aos constantes constrangimentos em seu círculo profissional e social neste país. Será lembrado, no entanto, como o marido traído.

A gravidade da ofensa é incontestável. As relações extraconjugais eram do conhecimento ou da suposição dos amigos e apesar da presença do autor, os réus não demonstravam preocupação em ocultar esses fatos. O nascimento de (…) agravou os reflexos negativos do sofrimento vivido por (…), o qual reagia como o homem médio de sua origem germânica, cultura, crenças e condição social.

Inegável, por outro lado, que a frieza (para os padrões brasileiros) com a qual se comportava o marido, o descaso pela vida social em companhia da mulher e o desinteresse pelo débito conjugal constituem causas diminutivas do valor da indenização, principalmente pela inexistência de comprovação de que o marido tenha procurado alterar seu estóico comportamento e conhecer as necessidades da esposa no escopo de preservar o casamento e impedir (…) de buscar a satisfação (sexual) com (…).

Logo, conclui-se que a verba indenizatória de 10.800 salários-mínimos (mais de um milhão e quatrocentos mil reais) é excessiva, mesmo perante as milionárias indenizações fixadas pelos júris populares anglo-saxões duramente criticados pelo patrono do co-réu.

Considerando todas as circunstâncias supra explicitadas e com a razoabilidade imprescindível a este tipo de demanda, estima-se a indenização em 500 (quinhentos) salários-mínimos, montante suficiente para atenuar os prejuízos morais acarretados ao autor, punir satisfatoriamente a parte contrária e, ao mesmo tempo, evitar o enriquecimento sem causa no confronto com a capacidade econômica dos envolvidos” (e-STJ fls. 753-759 – grifou-se).

Todas as partes apresentaram apelação, o autor com o intuito de ver incluída na condenação a reparação de dano material e ainda majorar o valor fixado a título de danos morais, com incidência de juros compostos no cálculo indenizatório, enquanto os réus objetivaram a rejeição da condenação ao pagamento de danos morais, e, subsidiariamente, a sua redução.

O Tribunal de origem duplicou o valor fixado na sentença a título de danos morais, elevando-o a mil salários mínimos sob fundamento de que não se mostrava “compatível com a boa saúde financeira dos réus, nem com as particularidades do caso, denotativas de incomum desfaçatez e inigualável desprezo pela dignidade alheia” (fl. 997 e-STJ) e afastou a possibilidade de condenação por danos materiais, pois “a reparação camufla insatisfatoriamente a pretensão à repetição de despesas todas elas de caráter alimentar, o que é juridicamente impossível” (fl. 997 e-STJ).

Todas as partes opuseram embargos de declaração (e-STJ fls. 1.001-1.010; 1.012-1.017 e 1.019-1.021).

Os embargos de declaração opostos pelo autor, tiveram o objetivo de prequestionar os artigos 20, § 3º, e 21, parágrafo único, do CPC; 159 e 964 do Código Civil de 1916 e 186, c⁄c 927, 876, 884, 885, 964 e 406, do Código Civil de 2002, a fim de que fosse fixado como termo inicial dos juros moratórios a data do ilícito, qual seja: 1º.7.1987 (dia da concepção), com indexação de 1% ao mês. Os demais embargantes buscaram prequestionar os arts. 21, parágrafo único, e 283 do CPC, apontando ainda ofensa dos arts. 159 e 1.547, parágrafo único, do CC de 1916.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em julgamento conjunto, rejeitou todos os aclaratórios pela “impossibilidade de se reabrir a discussão sobre pontos já apreciados de forma minuciosa na solução do litígio” (e-STJ fl. 1.079).

Todas as partes interpuseram recurso especial.

a) L. A. S. nas razões do seu apelo especial, com base na alínea “a” do permissivo constitucional, alega violação dos artigos 14, 17, 21, parágrafo único, e 267, VI, do Código de Processo Civil e 159 e 1.547 do Código Civil de 1.916. Para tanto, sustenta a falta de interesse do autor, bem como que a via processual eleita é inadequada, pois “antes mesmo de se cogitar de algum dever de indenizar deveria o autor ter desconstituído a sentença homologatória da separação” e que, no caso, “os cônjuges abriram mão da perquirição judicial acerca da causa e do responsável pelo término da sociedade conjugal, sendo inadmissível a instauração dessa discussão em qualquer outro processo envolvendo as mesmas partes” (e-STJ fl. 1.118).

Afirma a inexistência de dano moral, não sendo aceitável que sobre ele recaiam as consequências do adultério, visto que sequer fez parte da separação consensual (e-STJ fl. 1.158), reiterando que “o autor sempre soube que o menor C. não era seu filho, não lhe sendo, agora assegurado direito a pleitear qualquer indenização. Isso porque, à época da concepção do menor – isto é, julho de 1987 – o casal A. e F., não obstante compartilharem do mesmo teto, já não mantinham vida conjugal, vivendo, outrossim, separados de fato”. Sustenta que “o casamento terminou por falta de interesses comuns, e que não havia mais relações sexuais entre o casal” (e-STJ fl. 1.128), “não havendo falar em adultério” (e-STJ fl. 1.130). Requer ao final, a redução do valor fixado a título de indenização por danos morais, o afastamento da condenação por litigância de má-fé e do pagamento de honorários;

b) O recurso de F. G. B. (e-STJ fls. 1.168 – 1.191), com fulcro nas alíneas “a” e “c” da Constituição Federal, aponta, além de divergência jurisprudencial, a violação dos artigos 535 do CPC; 159 e 964 do Código Civil de 1916; 186, 398, 406, 876, 884, 885, 927 e 2.035 do atual Código Civil e 20, § 3º, e 21 do Código de Processo Civil, além da Súmula nº 54⁄STJ. Pede o ressarcimento material das despesas que assumiu unicamente por acreditar ostentar a condição de pai da criança, haja vista que “a presente demanda não está fundada no acordo de separação entre G. e A. (do qual o réu (…) sequer participou), mas sim no âmbito da responsabilidade civil preconizada no artigo 159 do Código Civil de 1916” (e-STJ fl. 1.172), afirmando que em 1994, quando o infante contava quase seis anos de idade, a recorrida lhe comunicou friamente que ele não era na verdade seu filho, mas, sim, o fruto de relações adulterinas que mantivera com um amigo do casal.

Aduz “passaram-se seis anos até que a verdade viesse à tona e, enquanto isso não ocorreu, G. custeou, no lugar do verdadeiro pai, o recorrido (…), todas as despesas do menor e da ex-mulher, tanto aquelas que decorreram do acordo de separação, como as demais, oriundas da própria condição de pai e ex-marido” (e-STJ fl. 1.173), o que ensejaria enriquecimento ilícito dos corréus a quem caberiam as despesas. Solicita, ainda, a majoração do valor fixado a título de danos morais já que a conduta dos réus causou-lhe intenso sofrimento psíquico e emocional, visto que assumiu como seu, perante a sua família e a sociedade, filho do amante de sua esposa. Solicita que o valor seja corrigido desde a data do evento danoso nos termos da Súmula nº 54⁄STJ, aplicando-se também juros à taxa de 1% ao mês, conforme arts. 406 e 2.035 do CCB. Por fim, pede a revisão dos honorários fixados sob a alegação de que sucumbiu de parcela mínima (arts. 20, § 3º, e 21 do CPC).

c) A. L. A. P. alega em seu especial (e-STJ fls. 1.267-1.301), com fulcro nas alíneas “a” e “c” do art. 105, inciso III, da Constituição Federal, violação dos artigos 283 e 396 do CPC, sob o fundamento de que a juntada de documentação indispensável à propositura da ação foi tardiamente possibilitada em juízo, o que representaria ocultação dos fatos. Aduz também a equivocada valoração das provas constantes dos autos, nos seguintes termos:

“(…) Caso os testemunhos colhidos tivessem sido apreciados e valorados, certamente teria sido reconhecido que a ora Recorrente, durante o casamento mantido com o Recorrido, era ignorada pelo marido, que até mesmo a incentivava a sair em companhia do co-réu L. S., seu ex-namorado. Também teria sido constatado que o Recorrido relatou a vários amigos que não ignorava que o filho não era dele, já que cerca de um ano e meio depois do casamento, ocorrido em abril de 1.985, deixou de manter relações sexuais com a esposa, vivendo ao seu lado apenas porque lhe era conveniente, em razão de sua atividade profissional” (e-STJ fl. 1.271).

Prossegue apontando desrespeito aos arts. 159 e 1.547, parágrafo único, do Código Civil de 1.916, a fim de demonstrar que o recorrido tinha conhecimento antes mesmo do nascimento do menor que não era o pai da criança, pois não se tratava de “um homem ingênuo que teria sido enganado em razão de conduta condenável que pudesse ser atribuída apenas à mulher, já que lhe interessava manter as aparências” (e-STJ fl. 1.277).

Afirma, ainda, ser injusta a condenação por litigância de má-fé o que violaria os artigos 14 e 17 do CPC (fls. 3.256⁄3.257) e busca o reconhecimento de violação do art. 21, parágrafo único, do CPC. E, por fim, requer a redução do valor dos danos morais com base em precedentes desta Corte, aduzindo que o Tribunal de origem distanciou-se do critério de moderação que deve nortear sua fixação, em especial porque “o arbitramento não se fundou na capacidade econômica da recorrente, mas sim do atual marido desta, com o qual, repise-se, é casada sob o regime de separação total de bens ” (e-STJ fl. 1.291).

Oferecidas contrarrazões (fls. 3.311⁄3.341), os especiais não foram admitidos, ascendendo os autos a esta instância especial por força de decisões proferidas pelo Ministro Ari Pargendler nos Agravos de Instrumento nºs 718.256⁄SP, 716.737⁄SP e 713.707⁄SP.

O Ministério Público Federal instado a se manifestar, opinou pelo não conhecimento dos recursos especiais (e-STJ fl. 1.559).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): De início, tendo em vista o encadeamento lógico das questões suscitadas nos especiais, passo à análise conjunta das razões recursais.

Não prospera a irresignação do recorrente F. G. B. quanto à apontada violação do art. 535 do CPC, pois o acórdão recorrido se manifestou a respeito dos pontos considerados omissos, ainda que não no sentido pretendido pela parte, razão pela qual não há falar em negativa de prestação jurisdicional. É cediço que o órgão julgador não está obrigado a se pronunciar acerca de todo e qualquer tema suscitado, mas apenas sobre aqueles considerados suficientes para fundamentar a decisão. A motivação contrária ao interesse do embargante ou mesmo omissa em relação a pontos considerados irrelevantes pelo julgador não autoriza o acolhimento dos embargos declaratórios.

Quanto à alínea “c” do permissivo constitucional, melhor sorte não socorre o recorrente, pois o dissídio jurisprudencial não restou caracterizado nos moldes legal e regimental, visto que insuficiente para tanto a mera transcrição de ementas dos paradigmas, deixando o recorrente de proceder ao necessário cotejo analítico entre os acórdãos impugnado e paradigma, além da ausência de similitude fática entre as decisões confrontadas.

Não conheço dos recursos especiais no que tange à alegação de ofensa ao artigo 267, inciso VI, do CPC, apontada por L. A. S., e aos artigos 283 e 396 do Código de Processo Civil, suscitados por A. L. A. P. porque tais dispositivos não foram debatidos no acórdão hostilizado, e apesar da oposição de aclaratórios, não foi apontada violação do art. 535 do CPC por ambos os recorrentes, restando desatendido, portanto, o requisito específico de admissibilidade do recurso especial concernente ao prequestionamento, o que atrai o óbice constante na Súmula nº 211 desta Corte.

I – DOS DANOS MORAIS POR ATO DE TERCEIRO ESTRANHO À RELAÇÃO CONJUGAL (pai biológico da criança)

No mérito, o recurso interposto por L. A. S. merece prosperar pela manifesta ofensa ao art. 159 do Código Civil de 1916 (arts. 186 e 927 do Código Civil de 2002). O Tribunal de origem, ao condenar o recorrente L. A. S ao pagamento da indenização por danos morais, fundamentou-se na lesão moral causada ao autor pela manutenção do relacionamento extraconjugal com sua esposa que lhe ocultou a verdadeira paternidade do filho nascido na constância do casamento.

Em que pese o alto grau de reprovabilidade da conduta daquele que se envolve com pessoa casada, esta Corte já se manifestou no sentido de que o “cúmplice” da esposa infiel não é solidariamente responsável a indenizar o marido traído, pois tal fato não constitui ilícito civil ou penal à falta de contrato ou lei obrigando terceiro estranho à relação conjugal a zelar pela incolumidade do casamento alheio ou a revelar a quem quer que seja a existência de relação extraconjugal firmada com sua amante. A propósito cite-se o seguinte precedente específico:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ADULTÉRIO. AÇÃO AJUIZADA PELO MARIDO TRAÍDO EM FACE DO CÚMPLICE DA EX-ESPOSA. ATO ILÍCITO. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DE NORMA POSTA.

1. O cúmplice de cônjuge infiel não tem o dever de indenizar o traído, uma vez que o conceito de ilicitude está imbricado na violação de um dever legal ou contratual, do qual resulta dano para outrem, e não há no ordenamento jurídico pátrio norma de direito público ou privado que obrigue terceiros a velar pela fidelidade conjugal em casamento do qual não faz parte.

2. Não há como o Judiciário impor um ‘não fazer’ ao cúmplice, decorrendo disso a impossibilidade de se indenizar o ato por inexistência de norma posta – legal e não moral – que assim determine. O réu é estranho à relação jurídica existente entre o autor e sua ex-esposa, relação da qual se origina o dever de fidelidade mencionado no art. 1.566, inciso I, do Código Civil de 2002.

3. De outra parte, não se reconhece solidariedade do réu por suposto ilícito praticado pela ex-esposa do autor, tendo em vista que o art. 942, caput e § único, do CC⁄02 (art. 1.518 do CC⁄16), somente tem aplicação quando o ato do co-autor ou partícipe for, em si, ilícito, o que não se verifica na hipótese dos autos.

4. Recurso especial não conhecido” (REsp 1.122.547⁄MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10⁄11⁄2009, DJe 27⁄11⁄2009 – grifou-se).

O desrespeito à estabilidade da relação matrimonial alheia, ainda que represente conduta reprovável sob o ângulo da moralidade, não é conduta apta a impor a condenação por danos materiais ou morais sofridos pelo cônjuge inocente. Nesse sentido, cite-se a fundamentação do precedente acima citado, no que interessa:

“(…) Não é ocioso lembrar que, conquanto a matriz principiológica do direito resida, por vezes, na idéia de moral, esta e aquele não coexistem necessariamente. O direito, analisado como regra de conduta posta pelo Estado à sociedade e em face dele próprio, possui campo de ação mais limitado que a moral, não atingindo situações irrelevantes para uma ordenação social civilizada, eis que a finalidade da regra jurídica se esgota com o manter da paz social.

A seu passo, a moral atinge, e por conseqüência tutela, atos aquém e além do direito. Como é sabido, regras irrelevantes para o direito podem ostentar uma conformação moral, e cujo descumprimento apenas acarreta – se for o caso – uma sanção de foro íntimo ou religioso, como, por exemplo, a não-manutenção de relações sexuais com parentes de grau próximo, ou o não exercer a caridade para quem dela necessita. (…)

Em realidade, a norma moral se presta a um aperfeiçoamento pessoal, para a realização de um bem, cuja adjetivação como tal decorre unicamente da subjetividade de quem age, ao passo que a norma jurídica, quando proíbe ou limita, está a impor uma regra de conduta exigível, cujo descumprimento tem a virtualidade de acionar a força estatal com vistas ao retorno do status quo” (grifou-se).

No tocante à inexistência de ilicitude jurídica, requisito para a imputação da responsabilidade civil subjetiva, merece respaldo a fundamentação adotada pelo Ministro Luis Felipe Salomão:

“(…) É absolutamente natural que, em razão da recíproca confiança que, de regra, existe entre os cônjuges, espera-se uma fidelidade recíproca, de cuja violação resulta, presumidamente, dor, sofrimento, desvalor próprio e decepção. Com efeito, no caso de adultério, a dor moral experimentada pelo cônjuge traído decorre, eventualmente e se for o caso, dessa quebra de confiança preexistente entre os cônjuges, e não do ato praticado por terceiro, considerado em si mesmo, de quem nada se esperava.

4. De outra parte, não há que se falar em solidariedade do réu por suposto ilícito praticado pela ex-esposa do autor, tendo em vista que o art. 942, caput e § único (art. 1.518 do CC⁄16), somente tem aplicação quando o ato do co-autor ou partícipe for, em si, ilícito, o que não se verifica na hipótese dos autos” (grifou-se).

Por essas razões, dou provimento ao recurso especial interposto por L. A .S. para afastar sua responsabilidade no caso concreto, porquanto cabível apenas ao cônjuge adúltero o dever de indenizar, restando prejudicadas as demais questões postas no apelo nobre.

II – DOS DANOS MATERIAIS

Passo à análise do mérito recursal.

Os alimentos não se confundem com indenização, porquanto pautados pela necessidade de prover as condições de subsistência daquele que não possui meios para tanto, independentemente de ser culpado pela separação.

No caso, o recorrente, enganado por sua ex-esposa, fato incontroverso nos autos, criou como seu filho biológico de outrem, em virtude de relacionamento extraconjugal entre os demais recorrentes, configurando-se verdadeira paternidade socioafetiva, motivo pelo qual resta vedada a pleiteada repetição da verba alimentar paga durante o período em que perdurou o convívio com o então filho, com quem, revelam os autos, possuía estreitos laços de afeto e verdadeiro apego, como se afere do acórdão recorrido:

“Recorde-se que, viajando para Fortaleza, onde participou de um casamento na qualidade de padrinho, o autor fazia-se acompanhar de C., então com ’20 dias de idade’ (fls. 516), atitude que revela um grau de apego próprio de quem se julga pai verdadeiro.

Também as vindas do pai ao Brasil e as idas da criança à Europa são fatos que desmentem frontalmente a ‘teoria’ dos réus. (…)”.

O dever de fidelidade recíproca dos cônjuges, atributo básico do casamento, em nada se comunica com a relação paternal gerada, mesmo porque de todo desarrazoado transferir o ônus por suposto insucesso da relação à criança. Ora, o fracasso da sociedade conjugal não pode ser de modo algum imputado ao filho alimentado, mormente quando a descoberta da falsa paternidade ocorreu muito após a separação do casal, valendo consignar, como bem observou o Tribunal local, que “todas as contas feitas e bem pesadas as coisas, a pretensão à reparação de dano materiais camufla insatisfatoriamente a pretensão a repetição de despesas todas elas de caráter alimentar, o que é juridicamente impossível” (e-STJ fl. 997).

A filiação, no caso, resultou da posse do estado de filho, reputando-se secundária a verdade biológica, a fim de preservar o elo da afetividade, até porque a Constituição brasileira e o próprio Código Civil optaram pela igualdade absoluta dos filhos de qualquer origem (biológica ou não biológica), como vem sendo iterativamente decidido por esta Corte, como se vê do seguinte precedente:

“PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO CIVIL INVERÍDICO. ANULAÇÃO. POSSIBILIDADE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA.

PREPONDERÂNCIA.

1. Ação negatória de paternidade decorrente de dúvida manifestada pelo pai registral, quanto a existência de vínculo biológico com a menor que reconheceu voluntariamente como filha.

2. Hipótese em que as dúvidas do pai registral, quanto a existência de vínculo biológico, já existiam à época do reconhecimento da paternidade, porém não serviram como elemento dissuasório do intuito de registrar a infante como se filha fosse.

3. Em processos que lidam com o direito de filiação, as diretrizes determinantes da validade de uma declaração de reconhecimento de paternidade devem ser fixadas com extremo zelo e cuidado, para que não haja possibilidade de uma criança ser prejudicada por um capricho de pessoa adulta que, conscientemente, reconhece paternidade da qual duvidava, e que posteriormente se rebela contra a declaração auto-produzida, colocando a menor em limbo jurídico e psicológico.

4. Mesmo na ausência de ascendência genética, o registro da recorrida como filha, realizado de forma consciente, consolidou a filiação socioafetiva – relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a parentalidade que nasce de uma decisão espontânea, deve ter guarida no Direito de Família.

5. Recurso especial provido” (REsp nº 1.244.957⁄SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07⁄08⁄2012, DJe 27⁄09⁄2012 – grifou-se).

No caso, a partir da anulação do assento de nascimento da criança, o recorrente desligou-se da situação de pai legítimo – isentando-se do dever de continuar provendo a subsistência do presumido filho, a quem alega tanto ter amado. Todavia, como bem se extrai da sentença, “os reflexos da anulação em foco incidem exclusivamente sobre o dever alimentar decorrente da filiação e não retroagem ao ponto de retirar a eficácia e a obrigatoriedade das condições até então cumpridas pelo casal, inexistindo pagamento indevido e, por conseguinte, não havendo que se cogitar em repetição do indébito” (e-STJ fl. 749).

De mais a mais esta Corte já assentou que “a mulher não está obrigada a restituir ao marido os alimentos por ele pagos em favor da criança que, depois se soube, era filha de outro homem” (REsp nº 412.684⁄SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 20⁄08⁄2002, DJ 25⁄11⁄2002).

Assim, é indubitável que o valor pago para suprir as necessidades da prole, ainda que erroneamente assumida, é irrepetível, porquanto verba alimentar, dever incondicional da família (art. 227 CF⁄88). Por outro lado, o dever de solidariedade entre os seres humanos justifica a irrepetibilidade, pois, em última análise, o recorrente garantiu a própria existência da criança. Com relação à irrepetibilidade da verba alimentar de menor incapaz de prover o auto sustento, e por todos, cite-se o seguinte precedente desta Corte, no que interessa:

“Direito civil e processual civil. Família. Recurso especial. Ação de prestação de contas. Alimentos. Ausência de interesse de agir.

(…) – Aquele que presta alimentos não detém interesse processual para ajuizar ação de prestação de contas em face da mãe da alimentada, porquanto ausente a utilidade do provimento jurisdicional invocado, notadamente porque quaisquer valores que sejam porventura apurados em favor do alimentante, estarão cobertos pelo manto do princípio da irrepetibilidade dos alimentos já pagos. Recurso especial não conhecido.

(REsp nº 985.061⁄DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20⁄05⁄2008, DJe 16⁄06⁄2008 – grifou-se).

III- DOS DANOS MORAIS (conduta da ex-cônjuge do autor)

A ação ou omissão que lesiona interesse moral ou material de um indivíduo impõe o dever de reparação dos danos acarretados ao lesado a fim de se restabelecer o equilíbrio pessoal e social buscado pelo direito, à luz do conhecido ditame “neminem laedere”.

Com o fim do instituto da separação judicial impõe-se reconhecer a perda da importância da identificação do culpado pelo fim da relação afetiva. Isso porque deixar de amar o cônjuge ou companheiro é circunstância de cunho estritamente pessoal, não configurando o desamor, por si só, um ato ilícito (arts 186 e 927 do Código Civil de 2002), apto a ensejar indenização.

 

A felicidade não é assegurada de forma estática e permanente a quem quer que seja, mormente quando o amor não pode ser objeto de imposição legal. A dor da separação, inerente à opção de quem assume uma vida em comum, não é apta a ensejar danos morais de forma isolada. Em regra, o desconforto pelo desaparecimento do elo afetivo e consequente fim do convívio amoroso é, em regra, mútuo e recíproco. Ademais, o sofrimento, inerente ao desfazimento dos laços conjugais, antecede o processo judicial.

 

Assim, a frustração da expectativa de felicidade a dois não desafia o dever de ressarcimento por danos morais por sua mera frustração. A ruptura do casamento constitui um ato doloroso para as partes, porém, em regra, restringe-se ao âmbito interno.

Nesse sentido, cabe transcrever lição de Maria Berenice Dias:

“A busca de indenização por dano moral transformou-se na panaceia para todos os males. Visualiza-se abalo moral diante de qualquer fato que possa gerar algum desconforto, aflição, apreensão ou dissabor. Claro que essa tendência acabou se alastrando até as relações familiares. A tentativa é migrar a responsabilidade decorrente da manifestação de vontade para o âmbito dos vínculos afetivos, olvidando-se que o direito das famílias é único campo do direito privado cujo objeto não é a vontade, é o afeto. Como diz João Baptista Villela, o amor está para o direito de família assim como o acordo está para o direito dos contratos. Sob esses fundamentos, se está querendo transformar a desilusão pelo fim dos vínculos afetivos em obrigação indenizatória” (Manual de Direito das Famílias, 6ª Edição, Editora Revista dos Tribunais, pág. 117 – grifou-se).

De fato, a violação dos deveres impostos por lei tanto no casamento (art. 1.566 do CC) como na união estável (art. 1.724 do CC) não constituem, por si sós, ofensa à honra e à dignidade do consorte, aptas a ensejar a obrigação de indenizar. Não há como se impor o dever de amar, verdadeiro obstáculo à liberdade de escolha pessoal, pois a ninguém é lícito impor a permanência em relacionamento sob a alegação de inobservância à moral ou à regras de cunho social.

Todavia, não é possível ignorar que a vida em comum impõe restrições que devem ser observadas destacando-se o dever de fidelidade nas relações conjugais, o qual pode, efetivamente, acarretar danos morais, como no caso concreto, em que de fato demonstrado o abalo emocional pela traição da então esposa, com a cientificação de não ser o genitor de criança gerada durante a relação matrimonial, dano efetivo que justifica a reparação civil.

Outra não é a conclusão de Pontes de Miranda, que ora se transcreve:

“A lei prevê, quase sempre, as consequências de toda infração dos deveres de direito de família, sejam conjugais, sejam parentais. Daí a opinião, que se alastrou, no sentido de não haver perdas e danos, ou de indenização, quando alguém faltasse aos seus deveres de Direito de Família, conjugais ou parentais. Tal opinião foi posta de lado, porque, além da infração e consequente sanção de Direito de Família, é possível haver causa suficiente para a indenização ou reparação, com fundamento noutra regra de direito civil (direito das coisas, direito das sucessões, direito das obrigações). Desde que houve o dano, e é de invocar-se alguma norma relativa à indenização por ato ilícito, no sentido lato do direito das obrigações, ou da Parte Geral, cabe ao cônjuge ou ao parente a ação correspondente” (Tratado de Direito de Família, pág. 76, apud Inacio de Carvalho Neto, Responsabilidade Civil no Direito de Família, Biblioteca de Estudos em Homenagem ao Professor Arruda Alvim, Editora Juruá, 4ª Edição, pág. 289).

A quebra da fidelidade matrimonial revela o que os alemães chamam de Ehebruch, o que entre nós é conhecido por adultério, qualificando-se como a falta contra a honestidade e que desafia indenização por representar violação de dever inerente ao casamento (José Aguiar Dias, Da Responsabilidade Civil, 6ª Edição, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1979, v.II, pág. 14).

O dever de fidelidade, o primeiro dos deveres mútuos entre os casados (art. 231, inciso I, do Código de 1916 e art. 1.566, inciso I, do Código Civil de 2002), pode ser conceituado como a “lealdade, sob o aspecto físico e moral, de um dos cônjuge para com o outro, quanto à manutenção de relações que visem satisfazer o instinto sexual dentro da sociedade conjugal” (Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação Civil na Separação e no Divórcio, Editora Saraiva, pág. 71). É um atributo de quem cumpre aquilo que se obriga, que é perseverante nos seus propósitos, e acima de tudo responsável pelo próximo, condição imprescindível para a boa harmonia e estabilidade da vida conjugal.

A fidelidade tem raízes históricas e, para alguns, religiosas, pois “o fato de o cristianismo apregoar a virtude da mulher pela prática da fidelidade ao seu esposo, trouxe o benefício de afastar, para os homens, o medo da falsificação da descendência e o desconforto de alimentar quem não fosse seguramente seu filho” (Giselda Maria Fernanda Novaes, Família e casamento em evolução, Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 1, nº 18, abr⁄jun, 2001, pág. 9 – grifou-se). Tão significativa é a imposição desse dever que o Código brasileiro chegou a considerar o adultério como crime (art. 240), disposição revogada pela Lei nº 11.106⁄05.

É incontroverso nos autos que o autor teve tal dever violado, tanto no seu aspecto físico (relações sexuais adulterinas) quanto no moral (deslealdade), experimentando profundo abalo psicológico e sofrimento moral, porque após “considerável período de imersão no erro, descobriu não ser carne de sua carne e sangue de seu sangue a criança nascida de sua mulher, na constância do casamento” (acórdão e-STJ fl. 993), tendo sido ludibriado com a quebra do dever de confiança.

Configurado, portanto, o dano moral, que exorbitou a emoção interna sofrida pelo ofendido em virtude dos reflexos da conduta leviana da ex-mulher na vida social e familiar do ofendido, atingido de forma ampla, porquanto identificado como pai pela sociedade, tendo que conviver com a vergonha e o peso da verdade, já que, infere-se dos autos, a mulher o traiu com um de seus amigos.

Ademais, a criança não foi apenas registrada formalmente no assento de nascimento como seu filho, mas também criada como tal. Registre-se, por oportuno, mais uma vez, a conclusão do acórdão recorrido:

“A conduta do autor é incompatível com aquela de quem sabe não ser pai de seu filho. A fotografia de fl. 566 reproduz um instante de ternura paternal que não se coaduna com a versão dos réus. Recorde-se que, viajando para Fortaleza, onde participou de um casamento na qualidade de padrinho, o autor fazia-se acompanhar de C., então com 20 dias de idade (fls. 516), atitude que revela um grau de apego próprio de quem se julga pai verdadeiro. Também as vindas do pai ao Brasil e as idas da criança à Europa são fatos que desmentem frontalmente a ‘teoria’ dos réus (…). Está visto, com perfeita clareza, que, exatamente por embalar a ilusão de ser o pai de C., o autor, em suas visitas ao Brasil, avistava-se com a criança” (e-STJ fl. 995).

Consta dos autos que efetivamente F. G, “desde o nascimento desenvolveu grande amor por C., intensificado pela separação. Por isso, não poupou esforços e despesas para viajar frequentemente ao Brasil para ficar com C., ou providenciar a ida da criança à Áustria, onde esta ficava em companhia do pai, na casa dos avós paternos” (e-STJ fl. 1.169).

As tentativas de imputação ao autor da responsabilidade pelo insucesso da relação, pela falta de manutenção de relações sexuais entre os cônjuges, resultaram inócuas, porquanto inexistente qualquer justificativa plausível para a ocultação de informação a que fazia jus o autor concernente à gestação de filho “de outrem” no curso do casamento. Ademais, não há falar em compensação de culpas no direito de família, já que a fidelidade é dever incondicionado de ambos os cônjuges, haja vista a igualdade de direitos e deveres reciprocamente impostos (art. 226, § 5º, da CF⁄88 e art. 1.511 do Código Civil de 2002), não tendo, como se afere dos autos, o autor se conformado com a infidelidade da parceira.

Em verdade, não foi conferida opção ao autor, que, por ter sido induzido em erro, criou como seu o filho do amante de sua esposa, acreditando de boa-fé que a concepção havia ocorrido no final de junho de 1987. A ex-mulher, inclusive, solenemente afirmou ao juiz da separação que o filho, fruto do seu matrimônio, era do autor (e-STJ fl. 995), o que inequivocamente demonstra a conduta contraditória e dissimulada ensejadora dos danos morais averiguado na instância de origem. Nesse contexto, concluiu o Tribunal local a partir do conjunto fático-probatório dos autos que:

“(…) Punctum saliens. Alterando a verdade dos fatos (CPC, art. 17, II), alegam os réus que o autor: ‘sempre teve ciência que o menor C. não era seu filho legítimo’ (fls. 105); ‘jamais ignorou que C. não era seu filho’ (fls. 155, articulado 42); ‘sempre soube que o menor não era seu filho’ (fls. 100, articulado 58, ‘b’).

Em abono da falsa versão, não se pejou a co-ré de traçar de si mesma o retrato nada lisonjeiro de uma criatura mistificadora. De fato, por duas vezes asseverou que, infrutiferamente, ‘procurou manter alguma relação sexual com o marido após constatar a gravidez para tentar justificá-la com relação ao casamento’ (fls. 48); ‘ao constatar a gravidez realmente procurou (…) manter com o autor relação sexual que pudesse justificar o seu estado’ (fls. 161, articulado 61).

O capcioso intuito dessa versão, é perceptível ao primeiro olhar: sustentando que a convivência sexual entre os cônjuges estava interrompida’de há muito’ (fls. 159) e acrescentando que as manobras dissimulatórias resultaram inócuas, pretende a co-ré demonstrar que o autor não poderia ignorar o fato de que a paternidade era de ser atribuída a terceiro.

Dá-se o caso, porém, que a concepção do menino teve lugar no dia primeiro de julho de 1987, confessadamente (fls. 48), e a última conjunção carnal entre os cônjuges ocorreu no final de junho daquele ano, consoante informação do autor, que o co-réu aceitou sem reservas (fls. 114 e 115).

Ora, entre o final de junho e o primeiro dia de julho o interstício temporal é absolutamente insignificante, vale dizer, destituído de virtualidade para a geração de dúvida quanto à paternidade” (fl. 994 e-STJ – grifou-se).

O entendimento adotado pelo Tribunal local está em consonância ao firmado por esta Terceira Turma:

“Direito civil e processual civil. Recursos especiais interpostos por ambas as partes. Reparação por danos materiais e morais. Descumprimento dos deveres conjugais de lealdade e sinceridade recíprocos. Omissão sobre a verdadeira paternidade biológica. Solidariedade. Valor indenizatório.

– Exige-se, para a configuração da responsabilidade civil extracontratual, a inobservância de um dever jurídico que, na hipótese, consubstancia-se na violação dos deveres conjugais de lealdade e sinceridade recíprocos, implícitos no art. 231 do CC⁄16 (correspondência: art. 1.566 do CC⁄02).

– Transgride o dever de sinceridade o cônjuge que, deliberadamente, omite a verdadeira paternidade biológica dos filhos gerados na constância do casamento, mantendo o consorte na ignorância.

– O desconhecimento do fato de não ser o pai biológico dos filhos gerados durante o casamento atinge a honra subjetiva do cônjuge, justificando a reparação pelos danos morais suportados.

– A procedência do pedido de indenização por danos materiais exige a demonstração efetiva de prejuízos suportados, o que não ficou evidenciado no acórdão recorrido, sendo certo que os fatos e provas apresentados no processo escapam da apreciação nesta via especial.

– Para a materialização da solidariedade prevista no art. 1.518 do CC⁄16 (correspondência: art. 942 do CC⁄02), exige-se que a conduta do ‘cúmplice’ seja ilícita, o que não se caracteriza no processo examinado.

– A modificação do valor compulsório a título de danos morais mostra-se necessária tão-somente quando o valor revela-se irrisório ou exagerado, o que não ocorre na hipótese examinada.

Recursos especiais não conhecidos” (REsp nº 742.137⁄RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21⁄08⁄2007, DJ 29⁄10⁄2007 – grifou-se).

Assim, é devida a indenização por danos morais, que se manifesta in re ipsa. Não se olvida que o adultério, que ensejou o erro quanto à paternidade, gerou incontestáveis transtornos psicológicos ao pai, que se viu usurpado da expectativa da legítima filiação, à luz do art. 159 do Código Civil de 1.916 – vigente à época dos fatos. Isso porque não é a relação extraconjugal em si mesma o fato gerador da indenização, porquanto despicienda a comprovação da culpa de qualquer dos cônjuges pelo fim do vínculo afetivo, mas, sim, as consequências indubitavelmente prejudiciais à vida pessoal e social do recorrente, atacado no sonho da paternidade, que desmoronou seis anos após a separação, acarretando a dilaceração de um importante projeto de vida, frustração que imputou-lhe intensa dor, humilhação e baixa autoestima.

A lesão à dignidade humana desafia reparação (arts. 1º, inciso III e 5º incisos V e X, da Constituição Federal de 1988), sendo justamente nas relações familiares que se impõe a necessidade de sua proteção, já que a família é o centro de preservação da pessoa e base mestra da sociedade (art. 226 CF⁄88).

Nessa esteira, cite-se lição de Cavalieri Filho:

“(…) Mesmo nas relações familiares podem ocorrer situações que ensejam indenização por dano moral. Pais e filhos, marido e mulher na constância do casamento, não perdem o direito à intimidade, à privacidade, à autoestima, e outros valores que integram a dignidade. Pelo contrário, a vida em comum, reforçada por relações íntimas, cria o que tem sido chamado de moral conjugal ou honra familiar, que se materializa nos deveres de sinceridade, de tolerância, de velar pela própria honra do outro cônjuge e da família. O Código Civil de 2002 incluiu entre os deveres de ambos os cônjuges um inciso que não constava do Código de 1916: respeito e consideração mútuos – art. 1566, inciso V:’incluem-se neste dever, além da consideração social compatível com o ambiente e com a educação dos cônjuges, o dever negativo, de não expor um ao outro a vexames e desrespeito. A elaboração jurisprudencial construiu assim a teoria dos deveres implícitos, que se distinguem dos autos de cortesia ou de assistência moral, dentre os quais destacam-se: o dever de sinceridade, o de respeito a honra e dignidade própria e da família, o dever de não expor o outro cônjuge a companhia degradante, o de não conduzir a esposa a ambientes de baixa moral’ (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, v. V, p. 176, 14ª edição, Editora Forense) (CAVALIERI, Filho, Programa de Responsabilidade Civil, 9ª Edição, Editora Atlas, págs. 83-84 – grifos originais).

A dor decorrente de um dano causado por um ser amado, em especial no que tange à sua reputação, é, com certeza, mais intensa do que a ocasionada por um estranho. Se o direito pune este, com mais razão deve punir o primeiro, que enquanto estiver casado deve respeitar os deveres conjugais, dentre os quais destaca-se a fidelidade, sob pena de se responder civilmente pelo descumprimento da obrigação. A mudança da trajetória de vida do recorrente, subtraído da condição de pai, é inexoravelmente um acontecimento trágico na vida de qualquer pessoa, sobretudo, porque se tornou um fato público.

Aliás, todo ser humano, sem exceção, nasce igual, mas procura ao longo de sua vida, ser diferente, único, especial e exclusivo em suas relações interpessoais. A súbita percepção que a pessoa “amada” faltou com o dever de confiança arruína a construção de uma vida feliz, que o indivíduo pressupunha permanente. O próprio Supremo Tribunal Federal já sinalizou acerca do direito constitucional à felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana (RE nº 477.554 AgR, Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 16⁄8⁄2011, DJe 26⁄8⁄2011).

Todavia, o valor fixado a título de danos morais merece ser readequado aos parâmetros adotados por esta Corte, que, apenas excepcionalmente admite a sua revisão em situações nas quais a quantia fixada nas instâncias locais for exorbitante ou ínfima, de modo a afrontar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Não obstante o dano moral jamais possa ser tarifado (Súmula nº 281⁄STF), também não se pode fugir do bom senso, sob pena de se tornar injusto e anti-isonômico com outras situações em que o sofrimento é tão ou mais oneroso, como no caso da perda da vida de um parente. Por sua vez, não pode configurar fonte de lucro ao traído, devendo se limitar a compensá-lo, além de servir de medida preventiva e educativa, nada mais, sob pena de enriquecimento sem causa.

No caso, o Tribunal estadual extraiu o quantum indenizatório de 1.000 (um mil) salários mínimos do fato de a corré ser hoje “casada com pessoa muito bem situada na estratificação socioeconômica (fls. 361⁄93), afeita a transitar por Angra dos Reis (fls. 514, 517 e 518), em companhia de milionários (fls. 394⁄424)” devendo se presumir que receba de seu atual marido, que não é o pai biológico da criança, diga-se de passagem, “meios adequados a seu elevado padrão de vida” (e-STJ fl. 997). Tal entendimento destoa dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, porque se distancia da situação concreta, para hipoteticamente considerar exclusivamente o atual estado econômico do ofensor, o que não se mostra adequado, tendo em vista que outros fatores circundam tal valoração, a saber: a reprovabilidade da conduta, a intensidade e a duração do sofrimento experimentado pela vítima, as condições sociais do ofendido, além da finalidade da reparação.

Nesse ponto assiste razão à recorrente, pois a base de cálculo aplicada pelo Tribunal estadual destoa dos parâmetros adotados por esta Corte em casos análogos, como se percebe da precisa fundamentação da Ministra Nancy Andrighi, que no citado Recurso Especial nº 742.137⁄RJ entendeu razoável o valor indenizatório fixado em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), pelas seguintes razões:

“(…) Resta, portanto, discutir a alegada violação ao art. 159 do CC⁄16, suscitada neste segundo recurso especial, para averiguar eventual exorbitância do valor indenizatório fixado na origem.

Conforme delimitado na sentença e no acórdão recorrido, o fundamento que justificou a responsabilidade civil imputada à primeira recorrente foi a ausência de informação acerca da verdadeira paternidade.

No sistema da responsabilidade civil extracontratual, para configuração da obrigação de indenizar exige-se a prática de violação a um dever jurídico, que muitas vezes não se encontra, expressamente, indicado na lei, mas que, nem por isso, impede a caracterização de ato ilícito ensejador da responsabilidade pelos danos causados.

Observa-se que ‘respeito e consideração mútuos’ só foram incluídos como deveres conjugais no CC⁄02. No entanto, considerando as modificações pelas quais passou o direito de família e levando em conta a disposição constitucional acerca do dever de respeito à pessoa, é perfeitamente possível compreender, de forma extensiva, o dever de fidelidade, constante do art. 231 do CC⁄16, e concluir que cabe aos cônjuges também a observância do dever, implícito, de lealdade e sinceridade recíproca.

Assim, após sopesar o relacionamento conjugal e observar a nova disposição legal, não há dúvida que a recorrente, M L F de B, transgrediu o dever de sinceridade, ao omitir, deliberadamente, a verdadeira paternidade biológica dos filhos, mantendo o recorrido na ignorância de um dos mais relevantes fatos da vida de uma pessoa que é a paternidade.

O desconhecimento do recorrido, P C H, por mais de vinte anos, do fato de não ser o pai biológico dos filhos gerados durante o casamento com a recorrente, M L F de B, atinge, sem dúvida a dignidade da pessoa, toca e fere a auto-estima e gera sentimentos de menosprezo e traição, violando, em última análise, a honra subjetiva: que é o apreço que a pessoa tem sobre si mesma, conduzindo à depressão e à tristeza vivenciadas pelo recorrido.

Neste contexto, consideradas as peculiaridades da hipótese sob julgamento, entendo ter sido razoável a fixação de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) a título de indenização pelos danos morais suportados pelo recorrido, não havendo motivos para a redução do quantum indenizatório.”

Portanto, guardada a similitude da hipótese concreta em análise com a descrita no precedente supracitado, que acertadamente ponderou a intensidade da humilhação a que foi exposto o cônjuge traído e o grau de ofensa à honra que sofreu, considerando ainda a reprovação da conduta do culpado e a capacidade econômica de ambas as partes, fixo, de forma idêntica, a indenização por danos morais em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), por representar solução coerente com o sistema, devendo tal valor ser corrigido monetariamente a partir do arbitramento (Súmula nº 362⁄STJ), incidindo juros desde a data do evento danoso (Súmula nº 54⁄STJ), qual seja, a data da concepção do menor (1º de julho de 1987 – e-STJ fl. 994).

Por fim, resta obstada a análise por esta Corte da insurgência da ora recorrente quanto à condenação por litigância de má-fé em virtude da intencional alteração da verdade acerca dos fatos, atestada pelo acórdão recorrido, porquanto tal imputação decorreu da análise minuciosa de fatos e provas insindicáveis nesta instância especial, à luz do óbice formal da Súmula nº 7⁄STJ.

Em vista de todo o exposto, nego provimento ao recurso especial do autor, dou parcial provimento ao recurso da recorrente para fixar o valor devido a título de danos morais em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) e dou provimento integral ao recurso especial do corréu, para julgar improcedente o pedido de sua condenação, arcando o autor, neste caso, com as despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 30.000,00 (trinta e mil reais).

É o voto.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):

Srs. Ministros, concordo que o dano moral no Direito de Família é uma situação excepcional. No caso concreto, porém, que foi muito bem analisado pelo eminente Relator, é uma situação excepcional, extremamente complexa, estando bem caracterizada pelas suas peculiaridades. Não só o adultério em si, mas as circunstâncias posteriores ao fato, com omissão da informação relevante ao marido.

Acompanho integralmente a solução proposta nos três recursos especiais.

É o voto.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:

Sr. Presidente, peço vênia à Ministra Nancy Andrighi, porquanto entendo que, nesse tipo de relação conjugal, o dano moral não pode decorrer da simples quebra da fidelidade, pois, na verdade, não há pacto, mas exigência legal. Deve-se, portanto, examinar caso a caso, considerando-se o tipo de relação. Há relações em que a infidelidade é recíproca. Nelas, nenhum dos cônjuges se ofende com a infidelidade. Li, hoje, na internet, a declaração de um ator de televisão que foi traído e que perdoou porque considerou bonito fazer prevalecer o amor. Em outas palavras, o que justifica a estipulação do dano moral é realmente o constrangimento, a dor causada àquele que é vítima da traição, e não a traição em si.

Não posso, dessa forma, dizer que a infidelidade gera o dever de indenizar por dano moral. Aliás, não é quebra contratual nem infração legal que pode ensejar dano moral. O dano moral há de ser analisado com alta dose de subjetividade. Ou seja, da quebra de fidelidade pode ou não advir dano moral.

Nesse ponto é que faço a ressalva ao posicionamento da Ministra Nancy Andrighi.

No mais, o voto está perfeito: soluciona a questão de modo equilibrado e com alto senso de justiça.

Parabenizo o relator e acompanho seu voto, mantendo-o pelos seus próprios fundamentos.

 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2007⁄0030162-4

PROCESSO ELETRÔNICO REsp 922462 ⁄ SP

Números Origem: 1441374000 1441374106 1441374401 1441374402 200501689840 26050976 26831997 56895

PAUTA: 04⁄04⁄2013 JULGADO: 04⁄04⁄2013

SEGREDO DE JUSTIÇA

Relator

Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO

Secretária

Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Responsabilidade Civil

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). RODRIGO SETARO, pela parte RECORRENTE: A L A P

Dr(a). RODRIGO SETARO, pela parte RECORRENTE: L A S

Dr(a). MANUEL INÁCIO ARAÚJO SILVA, pela parte RECORRENTE: F G B

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial da parte F G B, deu parcial provimento ao recurso especial da parte A L A P e deu provimento ao recurso especial da parte L A S, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.

Documento: 1221381 Inteiro Teor do Acórdão – DJe: 13/05/2013